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Apagão Nacional: entenda como funciona a distribuição de energia no Brasil

O apagão que atingiu quase todo o Brasil, na terça (15), aconteceu de forma controlada para proteger o Sistema Interligado Nacional; especialista explica

A energia elétrica no Brasil é gerada e distribuída a partir do Sistema Interligado Nacional

O governo busca entender quais falhas foram responsáveis pelo apagão que atingiu quase todos os Estado do Brasil, na terça (15), e impactou, por exemplo, o transporte público das capitais. O metrô em cidades como São Paulo e Belo Horizonte precisou fechar estações por cerca de 30 minutos. Em seis horas a energia foi restabelecida em todo o país, mas até o momento não se sabe o que provocou a pane.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, o apagão foi provocado por um problema na rede de operação do Sistema Interligado Nacional, após a abertura, às 8h31, da interligação Norte/Sudeste. Uma das falhas foi registrada no Ceará, e outra em local ainda não identificado. Como o sistema é interligado, um corte em um trecho afeta toda a rede. Mas o que exatamente isso significa?

Toda a geração e transmissão de energia elétrica no Brasil ocorre a partir do Sistema Interligado Nacional, isso é, um sistema que permite que a energia elétrica seja distribuída por todo o território nacional independente de onde ela foi gerada. A ideia é que um local que esteja com um consumo maior que a produção possa aproveitar da energia gerada em outro local onde a demanda é menor do que a produção. É o que explica o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira.

“O Brasil, na concepção do seu sistema elétrico, foi sempre um sistema fortemente influenciado pelas hidrelétricas. Como temos bacias que muitas vezes são em regiões distintas, você consegue ter o melhor aproveitamento da própria água quando permite que o sistema elétrico esteja interligado. Em algum momento você está gerando energia num determinado ponto do rio e, em outro momento, você está gerando energia num segundo ou terceiro ponto, com o sistema elétrico fazendo essa conexão. A partir daí outras fontes foram sendo associadas, como eólica e solar”.

A partir dessa ideia, o Sistema Interligado Nacional permite que a energia gerada, por exemplo, no Norte ou Nordeste do país seja consumida no Sudeste ou Sul, ou vice-versa. A ideia é tirar o melhor das possibilidades de geração de cada região do país, já que a maioria da energia no Brasil é renovável e pode depender de condições climáticas, como chuva, sol e vento.

Além disso, o sistema interligado possibilita que uma região supra a necessidade de outra em casos de problemas, fazendo que com a energia, em caso de quedas, seja restabelecida bem mais rapidamente do que seria caso o sistema fosse isolado.

Quem não está dentro do Sistema Interligado Nacional?

Apesar da maior parte do Brasil fazer parte do Sistema Interligado Nacional, existem algumas exceções. A principal delas é o estado de Roraima. É por isso que, durante o apagão desta terça-feira (15), este foi o único estado do país não impactado. Isso acontece porque Roraima possui uma geração isolada feita por diesel, e não é conectado ao restante do país.

A ideia é que o estado seja conectado logo ao Sistema Interligado Nacional e existe um projeto da construção de uma linha, mas ele ainda está sendo discutido devido à dificuldade de atravessar regiões da floresta amazônica e reservas de proteção indígena.

Outra exceção seriam algumas pequenas regiões de geração isolada, que assim como Roraima não conseguem ser conectadas por dificuldades de infraestrutura. A maioria destas áreas são rurais e estão localizadas na região Norte, onde a Floresta Amazônica dificulta a ligação.

Qual a relação entre o Sistema Interligado Nacional e o apagão desta terça-feira (15)?

Não foi confirmado ainda qual foi a falha que causou o apagão, mas o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável por operar o Sistema Interligado Nacional, já explicou que houve uma “separação elétrica” controlada das regiões Norte e Nordeste das regiões Sul e Sudeste. Ou seja, a energia gerada em uma região deixou de ser distribuída para a outra, propositalmente, para que a falha pudesse ser corrigida sem maiores problemas.

Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), explica que essa separação é programada exatamente para reestabelecer um equilíbrio entre geração e consumo de energia. Após a falha, houve uma redução da geração de energia nas regiões Norte e Nordeste, que também era consumida no Sul e Sudeste, causando um desequilíbrio. Desta forma, o consumo ficou maior do que a geração, e assim o sistema de proteção desligou as cargas.

“Tem que existir um equilíbrio entre o que está sendo gerado de energia elétrica e o está sendo consumido. De um lado da balança você tem um consumo de energia; do outro você tem a geração, com diversas fontes como eólica, solar, hidráulica, térmicas, nuclear. Você não pode nem ter mais geração do que a carga, e nem mais carga do que a geração, porque esse desequilíbrio pode provocar que o sistema de proteção atue e desligue o sistema. Este equilíbrio é sempre mantido pelo Operador Nacional de Sistema, que examina qual é a carga que está tendo aquele momento e controla as usinas”.

Assim que o equilíbrio for reestabelecido, mesmo que a falha principal ainda não tenha sido identificada, o Operador Nacional de Sistema começa a retornar a geração e subir a carga, recompondo todo o sistema e voltando com o fornecimento da energia elétrica.

Por que só algumas áreas específicas foram desligadas?

Apesar da conexão entre geração de energia no Norte e Nordeste e a distribuição no Sul e Sudeste ter sido interrompida, apenas algumas áreas ou bairros, em todo o território nacional (com exceção de Roraima) foram afetadas. Ou seja, não ouve um apagão geral, mas só em alguns lugares e por tempos diferentes.

O motivo disso é explicado pelo Esquema Regional de Alívio de Carga (Erac), um recurso do Operador Nacional de Sistema que atua para criar o equilíbrio necessário entre geração e distribuição da energia elétrica. O Erac tem um protocolo que já prevê quais áreas serão desconectadas primeiro, a depender da necessidade.

“Se eu tenho uma carga que está maior do que a geração, eu começo a desligar algumas partes do sistema elétrico. Isso já é previsto e já são escolhidas quais são as áreas que vão ser desligados primeiro. Existem vários estágios do Erac, dependendo da necessidade. Uma área que é hospitalar não é desligada e fica por último lugar pela essencialidade de energia. Então você começa a desligar até que você tenha um equilíbrio. No momento que o problema é resolvido, você começa a voltar a ligação dessas cargas. Isso é feito coordenado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para não subir muita carga e ter um desequilíbrio de novo”.

Por que ainda não sabemos qual foi a falha?

A falha que causou o apagão ainda não foi descoberta, mesmo que a distribuição da energia elétrica já tenha sido restabelecida. Marcos Madureira explica que, no momento em que o Operador Nacional de Sistema interrompeu o fornecimento da energia elétrica, a primeira preocupação foi reestabelecer o serviço sem que houvesse riscos. Só depois do restabelecimento que se passou a investigar as causas da falha.

“O que ocorreu ontem está em análise de investigação. O que a gente sabe é que a falha deve ter ocorrido dentro da região Norte ou Nordeste. Primeiro, todos os esforços foram feitos no sentido da recomposição do sistema e passando isso é que se faz a análise. Para isso, você tem registrado dentro do próprio sistema de controles todos os dados e analisa como estava a geração naquele momento, qual foi a proteção que atuou, qual a razão dela ter atuado. Identificando a causa podemos criar as melhorias para que algo similar não volte ocorrer”.

O especialista destaca que o Sistema Interligado Nacional é extremamente robusto e reconhecido por sua funcionalidade, e que o evento desta terça-feira (15) é extremamente raro.

Qual o papel das distribuidoras de energia, como a Cemig?

Marcos explica ainda que, em casos como o desta terça-feira (15), as distribuidoras de energia, como a Cemig, em Minas Gerais, possuem o papel de permitir que a carga de energia gerada que está no Sistema Interligado Nacional chegue até os consumidores.

“A distribuição faz esse papel de integrar a diversas fontes de energia que chegam através do sistema de transmissão e também aquela que tá ligado diretamente à distribuição ao consumidor. Ontem o evento ocorreu fora do ambiente da distribuição, e quando o operador entendeu que havia condição do fornecimento ser religado, as distribuidoras fizeram o papel de religar os sistemas, conforme as orientações do ONS para manter o equilíbrio”.

Dentro do próprio sistema de distribuição existe uma parcela de geração de energia, além da arrecadação monetária do sistema elétrico. São as distribuidoras que coletam o valor por meio da conta de luz e remunera as empresas que trabalham com a transmissão e geração de energia, assim como a iluminação pública, repassada para as prefeituras, e a arrecadação de impostos federais e estaduais.