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Chacina da Candelária completa 30 anos com condenados em liberdade

Policiais militares assassinaram, em 1993, no centro do Rio de Janeiro, oito adolescentes após uma discussão

Pintura com a silhueta dos jovens em vermelho lembra a Chacina da Candelária, ocorrida em 1993, no Rio de Janeiro

Era uma madrugada fria de 1993 quando adolescentes que dormiam no entorno da Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, foram acordados com gritos e disparos. As vozes procuravam por um tal de Come Gato, mas antes que os meninos pudessem responder, abriam fogo contra eles.

Com idades entre 11 e 19 anos, oito adolescentes foram assassinados no dia 23 de julho de 1993. As investigações concluíram que dois policiais militares e dois ex-PMs expulsos da corporação foram responsáveis pela chacina. O ataque, ocorrido numa sexta-feira, durou aproximadamente dez minutos.

Atualmente, pinturas que representam a silhueta em vermelho dos jovens assassinados se fazem presente no local, para relembrar ao país a sua triste memória de violência e impunidade. Antes de se dirigirem à Candelária, os policias ainda mataram mais dois adolescentes, no Aterro do Flamengo.

Uma terceira vítima, Wagner dos Santos, que tinha 21 anos, sobreviveu, apesar dos quatro tiros que recebeu, a maioria na nuca, e foi testemunha-chave para elucidar o crime. Na época, a Candelária abrigava cerca de 70 crianças e adolescentes que, por motivos diversos, moravam nas ruas. Grande parte havia fugido de abusos e violências familiares.

Por conta disso, a identificação das vítimas era difícil, pois a maioria sequer possuía documento de identificação. Decorridos trinta anos, ainda não se conhece a identidade de uma das vítimas, um adolescente de 17 anos que era conhecido nas ruas como “Gambazinho”.

As demais vítimas eram Marco Antônio, 19, Paulo Roberto de Oliveira, 11, Anderson de Oliveira Pereira, 13, Marcelo Cândido de Jesus, 14, Valdevino Miguel de Almeida, 14, Leandro Santos da Conceição, 17, e Paulo José da Silva, 18.

A artista plástica Yvone Bezerra de Mello, que acolhia as crianças com ações sociais, foi a primeira a ser avisada do crime por elas mesmas, e se deslocou até o local para ficar ali até o amanhecer, consolando um número impressionante de jovens assustados.

Após meses de investigação, a polícia chegou até os culpados. Em 1996, o ex-policial do choque Nelson Oliveira dos Santos Cunha confessou o crime e entregou os demais comparsas. De acordo com o seu relato, o crime teria partido do PM Emmanuel, que, após prender garotos por porte de cola de sapateiro, foi obrigado a liberá-los, quando o delegado informou que o produto não era considerado entorpecente.

Após serem soltos, os garotos teriam debochado de Emmanuel, que decidiu puni-los. O que, segundo a versão do PM, era para ser “apenas um susto”, terminou numa das mais tenebrosas chacinas da história brasileira.

O policial Marco Aurélio Alcântara e o ex-PM Maurício da Conceição Filho, expulso da corporação por envolvimento com a contravenção, teriam participado com Emmanuel e Cunha da chacina.

Emmanuel e Alcântara acabaram confessando a participação no crime e atribuíram a maior parte da culpa a Maurício, conhecido como Sexta-feira Treze. Ele, por sua vez, havia morrido anos antes ao sequestrar um bicheiro do Rio.

Alcântara foi sentenciado a 204 anos. Cunha pegou penas que somaram 45 anos após recorrer do primeiro julgamento. Em 2003, Emmanuel foi condenado a 300 anos de prisão. Hoje, os três estão em liberdade.