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Descoberta do vírus HIV completa 40 anos; veja como o tratamento evoluiu

Especialista no combate a Aids, Dirceu Greco conta como era a realidade na época em que o vírus ainda era desconhecido; tratamento é oferecido de graça pelo SUS

Isolamento do HIV completa 40 anos

Há exatos 40 anos, no dia 20 de maio de 1983, o cientista francês Luc Montagnier e sua equipe do Instituto Pasteur, na França, isolaram pela primeira vez o vírus do HIV. Apesar do vírus ter matado pessoas em vários países nos anos anteriores, a data marca a descoberta do agente infeccioso e impulsiona os tratamentos contra a Aids.

Os primeiros casos da doença começaram a surgir no fim da década de 1970, nos Estados Unidos e em países africanos. Como a maioria das infecções era em homem que faziam sexo com homens, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida ou Aids) ganhou termos pejorativos como “peste gay” e “Doença dos 5 H” (homossexuais, hemofílicos, haitianos, usuários de heroína e garotos de programa, em inglês “hookers”).

O doutor Dirceu Greco, infectologista e professor emérito da Faculdade de Medicina da UFMG, explica que o isolamento do vírus, o surgimento de casos entre mulheres e crianças, além da descoberta de que o HIV era transmitido pelo sangue sem a necessidade de relação sexual ajudaram a reduzir o preconceito com a doença e os infectados.

“Chegaram a falar inclusive em um ‘grupo de risco’ da Aids. A gota d’água no estigma foi quando começaram a aparecer casos em bebês recém-nascidos, aí ficou claro que a transmissão era por sangue e não só por sexo.”

Dirceu Greco é um nome importante no combate ao HIV. Membro da Comissão Nacional de Aids, ele foi um dos fundadores do Serviço de Avaliação de Imunodeficiências do Hospital das Clínicas da UFMG em 1985. A unidade foi a segunda do Brasil especializada no atendimento a esses pacientes. Dirceu fala sobre a realidade de quem esteve na “linha de frente” contra o vírus.

“No começo da pandemia, quando não se sabia o que era, até se justificava o medo. Me perguntavam se eu era seguro, mas eu apenas tinha o conhecimento de que se eu trabalhasse da forma correta, eu estaria seguro e não me infectaria. Eu fiz o meu papel, aquilo me propus a ser como médico.”

Linha do tempo do HIV

Avanços no tratamento do HIV

O exame para identificar o HIV só foi possível a partir de 1985, com a chegada do primeiro teste no mercado. Quem recebia o diagnóstico positivo para a doença era praticamente “sentenciado à morte”, segundo o professor. Greco explica que os atendimentos não serviam para tratar a doença, mas simplesmente melhorar a saúde do paciente ao máximo possível.

“A evolução, em geral, era para a morte. Era difícil mensurar o tempo que a pessoa tinha. Na época não havia tratamento nenhum.”

Em 1987, autoridades estadunidenses aprovaram o azidotimidina (AZT), primeiro medicamento antirretroviral contra o HIV. O problema é que o vírus se adaptava ao medicamento e ficava mais forte. Só em meados da década de 1990 que se descobriu que o uso de vários medicamentos em conjunto funcionaria melhor no tratamento. Surgia aí o chamado “coquetel anti Aids”.

Greco ressalta a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) por fornecer tratamento gratuito contra a Aids desde 1991. O especialista explica como a evolução no tratamento fez com que o HIV se tornasse uma doença com a qual é possível viver e conviver.

“O coquetel que tinha 20 comprimidos diários passou a ter apenas dois. O que era uma sentença de morte, agora não é mais. Quem descobre hoje que tem o HIV pode até achar que vai morrer, mas o nosso papel como médico é mostrar para ele que sua chance de viver o mesmo tanto que uma pessoa sem o HIV é igual.”

Como combater o HIV?

O Governo Federal gasta milhões com propagandas de conscientização e bilhões com a produção de preservativos e medicamentos pré-exposição. Mesmo assim, o número de diagnósticos positivos de HIV no Brasil cresceu entre os jovens. O que ainda precisa ser feito?

Greco defende o combate ao preconceito com o uso do preservativo, importante para evitar não só HIV, como sífilis, hepatite e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

“Existe preconceito até de gênero em relação ao preservativo. Se o homem leva um no bolso, ele é bem visto. Mas se a mulher tem um preservativo na bolsa, ela é vista com maus olhos, como uma pessoa vulgar.”

O especialista também defende a aplicação de uma recomendação aprovada em 2016 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para os médicos orientem seus pacientes a realizar testes para HIV, sífilis e outras ISTs durante as consultas.

“Quando o médico puxa assunto, ajuda a quebrar o preconceito do paciente. O diagnóstico precoce é muito importante. No caso do HIV por exemplo, se tratado corretamente, a carga viral se torna indetectável e a transmissão pelo sexo fica quase impossível.”

Dirceu Greco também fala em focar as ações de conscientização nos mais jovens. Para ele, o “acesso sexual” hoje é muito mais fácil e sem preconceito, o que, por outro lado, aumenta os riscos de uma infecção.

Jornalista formado pela UFMG, com passagens pela Rádio UFMG Educativa, R7/Record e Portal Inset/Banco Inter. Colecionador de discos de vinil, apaixonado por livros e muito curioso.