Pesquisas na área de engenharia genética e fermentação de precisão estão transformando o micélio, estrutura de sustentação do
Avanços em engenharia genética, como a edição de DNA por meio da técnica CRISPR-Cas9, alinhada à eficiência da fermentação de precisão, estão permitindo o desenvolvimento de micoproteínas com alto valor nutricional, textura semelhante à carne e potencial de produção em larga escala.
Segundo o pesquisador e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) André Damasio a combinação dessas tecnologias está transformando os fungos filamentosos e leveduras em “fábricas celulares”, capazes de produzir proteínas recombinantes como as do leite, ovos e carne, que possuem menor impacto ambiental e maior segurança alimentar. Empresas como Meati, Quorn e Enough já operam em escala industrial, focando no modelo B2B e promovendo mudanças importantes no setor alimentício tradicional.
“A produção de micoproteínas se destaca por exigir menos terra e água, e emitir menos gases de efeito estufa do que a pecuária convencional. Esse novo sistema de produção de alimentos pode mitigar os efeitos ambientais da agricultura intensiva, como o desmatamento, a degradação do solo e o esgotamento de recursos hídricos”, explicou Damasio.
Entretanto, para que essas proteínas ocupem lugar fixo nas prateleiras e nos pratos dos consumidores, ainda há barreiras a vencer. As propriedades do micélio, como o seu alto teor de fibras e composição nutricional distinta das proteínas vegetais e animais, exigem mais investigação e adaptação tecnológica. Isso inclui melhorias na textura, sabor e funcionalidade para aplicações variadas na indústria alimentícia, como potenciais substitutos de carne e laticínios.
Desafios para a adaptação mercadológica
O analista e engenheiro agrônomo Gabriel Mascarin, da Embrapa Meio Ambiente (SP), acredita que, além da aceitação pelo consumidor, há ainda o desafio da segurança e da regulamentação. Faltam estudos clínicos sobre a biodisponibilidade dos aminoácidos presentes nas micoproteínas, a sua contribuição à saciedade e os efeitos de longo prazo à saúde humana. A padronização de valores nutricionais e a criação de normas rigorosas para controle de toxinas e metais pesados são urgentes, sobretudo diante da diversidade de substratos utilizados nos processos fermentativos.
Além disso, ferramentas de biologia sintética e tecnologias “ômicas” (como transcriptômica e proteômica) têm acelerado o desenvolvimento de linhagens mais produtivas e resilientes. A combinação de edição genética precisa com análises moleculares tem se mostrado promissora para superar gargalos na produção industrial.
Para a pesquisadora Paula Cunha da Unicamp, a aposta na biotecnologia fúngica não pretende eliminar a carne animal, mas oferecer alternativas viáveis e acessíveis que diversifiquem a dieta e reduzam o impacto ambiental da produção de alimentos. Ao integrar essas micoproteínas às cadeias alimentares existentes, é possível fortalecer a segurança alimentar global e aumentar a resiliência dos sistemas agroindustriais frente às mudanças climáticas e à pressão sobre os recursos naturais.
Mais investimentos em fungos do que em carne cultivada
Com tecnologia menos complexa e rápida entrada no mercado, a fermentação de biomassa fúngica, da qual o micélio faz parte, superou a carne cultivada em investimentos nos últimos cinco anos (€ 628 milhões contra € 459 milhões), atraindo a atenção de startups e investidores.
Micoproteínas derivadas do micélio, como as produzidas pelas empresas Quorn, Meati e Eternal, oferecem vantagens como alto teor proteico (entre 45% e 48%), riqueza em fibras (entre 22% e 35%), sabor neutro e textura semelhante à carne. Por isso, têm sido aplicadas tanto em análogos de carne quanto em produtos híbridos, que combinam proteína animal ou vegetal com micélio, ampliando a sua aceitação entre consumidores não veganos.
No entanto, o micélio tem baixa solubilidade, o que limita a sua aplicação em alimentos líquidos, embora algumas empresas, como a Nature’s Fynd, tenham começado a explorar esse caminho com iogurtes à base de micélio.
O cultivo de micélio se destaca por sua baixa emissão de CO₂, reduzida pegada hídrica e potencial de circularidade, ao empregar subprodutos como substratos. Apesar do elevado consumo energético, especialmente na fermentação submersa, o seu impacto é menor que o da pecuária tradicional.
O mercado global de análogos de carne com micélio está avaliado em US$ 7,2 bilhões, com projeção de crescimento anual de 10,78% até 2032. Já o setor de substitutos de laticínios, que também começa a explorar o uso do micélio, deverá crescer a uma taxa ainda maior, de 13,85% ao ano, atingindo US$ 32,38 bilhões até 2032.