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Mudanças climáticas ameaçam conservação da erva-mate, apontam estudos da Embrapa

Pesquisas indicam redução de áreas favoráveis à espécie e reforçam a necessidade de ações de conservação genética

Erva-mate tende a se concentrar, no futuro, em regiões de maior altitude

As mudanças climáticas representam uma ameaça à sobrevivência da erva-mate (Ilex paraguariensis), espécie nativa do Brasil e símbolo cultural do Sul. Estudos desenvolvidos pela Embrapa Florestas (PR) pretendem entender e mitigar os impactos das mudanças climáticas sobre a espécie, cuja existência está diretamente ligada ao bioma Mata Atlântica.

Um dos estudos, dentro do Projeto Araucamate, alerta para uma redução de até 96,4% das áreas climaticamente favoráveis à espécie até 2070, dependendo do cenário de emissões de gases de efeito estufa. Já outra pesquisa, publicada no periódico Agrometeoros, utilizou a técnica de modelagem de nicho ecológico. A estratégia consiste em considerar camadas de clima e sistema de informação geográfica a pontos de ocorrência da erva-mate, que permitem montar dados futuros de clima.

Estes trabalhos apontam que a erva-mate tende a se concentrar, no futuro, em regiões de maior altitude, onde as temperaturas permanecem mais baixas. A modelagem de nicho ecológico permitiu identificar não apenas a distribuição atual, mas também projetar como a espécie responderá ao aquecimento global.

Segundo o pesquisador Marcos Silveira Wrege, líder do projeto, “com o aumento da temperatura, a tendência é o ambiente ficar menos favorável para o desenvolvimento da espécie, que deve sobreviver em algumas áreas, mas sofrer grande perda de diversidade biológica, além da redução drástica do número de populações”.

No Brasil, a erva-mate ocorre em quatro regiões distintas, sendo encontrada em diferentes ecossistemas. “A adaptação da espécie aos diferentes ambientes indica uma grande plasticidade adaptativa, superior à da araucária, que ocorre junto à erva-mate nos ecossistemas citados anteriormente”, afirmou a pesquisadora da Embrapa Florestas Elenice Fritzsons.

Estratégias de conservação

A caracterização climática detalhada da área de ocorrência natural da erva-mate permite direcionar a coleta de germoplasma para a conservação da diversidade genética. Por meio de expedições a unidades de conservação e fragmentos florestais, foram coletadas amostras de DNA e sementes de populações naturais em diferentes regiões do país, representando quatro grupos climáticos distintos. Focou-se em populações localizadas nas bordas de distribuição, onde a variabilidade é maior e o risco de extinção é iminente.

“Como vai haver redução de área de ocorrência da espécie, por ser de clima frio e, considerando que o planeta está aquecendo, nas zonas marginais onde ela ocorre hoje, são áreas de maior diversidade genética e nas quais é esperado mais aquecimento do clima. Por isso, é preciso priorizar os programas de resgate de material genético nessas áreas”, explicaram os pesquisadores.

“Conservar materiais de cada grupo garante que tenhamos recursos genéticos para programas de melhoramento futuros, visando tolerância a calor, seca e doenças”, afirmou Ananda Virginia de Aguiar, pesquisadora envolvida no projeto. Essas ações integradas, que incluem a criação de bancos ativos de germoplasma e a identificação de áreas prioritárias para conservação, visam garantir a resiliência e a disponibilidade de recursos genéticos para as futuras gerações e para a cadeia produtiva do mate.

“A Embrapa tem uma quantidade considerável, mas ainda falta material. Os resultados mostram diferenças grandes entre as espécies de cada região. Por isso, precisamos de investimentos para pesquisar mais, por exemplo, no Rio Grande do Sul, que têm populações muito representativas, segundo nossas análises genéticas”, afirmou a pesquisadora.

Zoneamento agrícola da espécie

De acordo com os pesquisadores, no Brasil, a tendência é que a espécie concentre-se progressivamente em regiões de maior altitude. “Por isso é necessário realizar o zoneamento agrícola vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para a espécie, buscando identificar zonas onde ela tem melhor condição climática para se desenvolver”, apontou Wrege.

Além da conservação, os estudos climáticos subsidiam a indicação de áreas prioritárias para plantio e seleção de materiais genéticos mais adaptados a condições extremas. “No futuro, essas pesquisas podem contribuir também com a seleção de modelos silviculturais mais aptos a cada situação pedoclimática, assegurando maior proteção do solo e das culturas a eventos climáticos atípicos”, afirmou Toffani.

“Estamos correndo contra o tempo. As mudanças estão ocorrendo há 20, 30 anos antes do que estava previsto. Então, daqui a 50 anos as mudanças terão sido muito grandes. Mas com planejamento e investimento em conservação, ainda é possível garantir um futuro para a erva-mate e para todos que dependem dela”, advertiu Wrege.

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*Giulia Di Napoli colabora com reportagens para o portal da Itatiaia. Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.