Ouvindo...

Inspirados na cultura indígena, professores da UFLA desenvolvem ‘Yakult’ de mandioca

Produto pode ser boa opção para veganos e pessoas intolerantes à lactose. Processo de industrialização da bebida está em fase de negociação

Para a fabricação de uma bebida fermentada, é necessária a adição de leveduras e microrganismos

Yakult de mandioca? Quem diria… Professores da Universidade Federal de Lavras (Ufla) Rosane Schwan e Disney Dias desenvolveram, junto com as estudantes Ana Luiza Freire e Cíntia Ramos, com o apoio da Fapemig, um estudo que gerou uma bebida fermentada, não alcóolica e não láctea, à base da mandioca.

A motivação da pesquisa foi atender o público com intolerância à lactose e que sofre com sintomas como inchaço abdominal, má digestão e excesso de gases. Os estudos com a mandioca foram propostos a partir da realidade da alimentação brasileira herdada dos indígenas.

Schwan conta que os processos realizados pelos indígenas para a fabricação de bebidas fermentadas sempre a interessaram. Além disso, estudos da microbiota desses alimentos mostraram que eles não possuem histórico como agentes alérgicos.

“Através de um estudante do Mato Grosso, tivemos contato com a tribo Tapirapé, onde pegamos amostras dessas bebidas. A partir do conhecimento das bebidas fermentadas indígenas, nós propusemos um projeto que foi uma mistura de substratos não usuais, como mandioca, arroz, amendoim e milho,

comumente utilizados por eles para a fabricação dessas bebidas”, diz.

A partir de então, novos produtos foram desenvolvidos, incluindo o da bebida fermentada à base da mandioca, que gerou uma patente, concedida em 2021 pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), relativa à tecnologia aplicada tanto com os microrganismos utilizados, quanto no substrato. Isso significa que os todos os materiais utilizados para a produção da bebida são novos, criados a partir de testes da microbiota da mandioca.

Processo tem adição de leveduras

Para a fabricação de uma bebida fermentada, é necessária a adição de leveduras e microrganismos para auxiliar no processo. Um exemplo comum são as bebidas fermentadas à base de leite, que se destacam também pelo seu potencial probiótico. Por isso, Disney Dias destaca a relevância da criação de bebidas fermentadas à base de outros substratos, pelo fato de parte da população brasileira ser intolerante à lactose ou seguir dieta vegana – cerca de sete milhões, de acordo com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB).

A mandioca é um tubérculo muito consumido no Brasil e segundo Schwan, ele é muito difícil de ser transformado em líquido. Por meio de testes com o cultivo de microrganismos foi possível desenvolver uma metodologia para isso, e foi essa metodologia que foi patenteada

O professor Disney Dias, que é farmacêutico, bioquímico e estuda a ciência dos alimentos, conta que no caso de fermentações com microrganismos, é possível que apareçam aqueles próprios vindos do substrato, mas que podem ser bons ou ruins. “Quando você trabalha com microrganismos especificamente para um alimento, eles podem ser originados no próprio alimento e aparecer durante o processo de fermentação. Por isso, fazemos estudos de avaliação que a gente chama de ecologia microbiana”, diz.

Dias também explica que, durante o processo, diferentes tipos de microrganismos podem aparecer e sumir, mas cada um deixa a sua contribuição na bebida. “A gente estuda aqueles que podem trazer boas contribuições e remove aqueles que podem gerar algum problema”, completa o pesquisador. Ao longo dos anos de estudo sobre fermentação, a professora já garantiu mais de quatro mil microrganismos certificados para o banco da Ufla.

O processo de identificação dos microrganismos é o início da fabricação da bebida, pois a partir de então é possível adicionar os demais compostos. Porém, nem sempre somente aqueles vindos do próprio substrato são suficientes para o processo de fermentação. Este é um dos pontos de importância do banco de culturas e do estudo para identificar quais serão os melhores microrganismos para o resultado pretendido.

Quanto ao produto desenvolvido, ele pode conter a adição de açúcares, sabores e aromas vindos de outras frutas estudadas para gerar maior identificação pelo consumidor. A professora Rosane Schwan ainda estuda a fabricação de outros produtos a partir da fermentação. Atualmente ela está desenvolvendo um sorvete à base de inhame.

Microrganismos presentes nos alimentos fermentados trazem muitos benefícios:

  • aumentam a atividade antioxidante,
  • possuem nutrientes
  • podem sintetizar vitaminas, necessárias ao nosso organismo.
  • ajudam a quebrar moléculas mais complexas estruturalmente, como por exemplo, o amido, fazendo com que fique mais fácil a digestão
  • No caso de pessoas intolerantes à lactose, a bebida fermentada não alcóolica e não láctea, supre necessidades nutricionais.

“A população teria acesso a um alimento com os benefícios da fermentação, ou seja, que estimulam a formação de ácidos orgânicos, a formação de compostos geradores de aromas e sabores, além de compostos antioxidantes que podem estimular a liberação desses compostos no alimento ou bebida fermentados”, destaca o pesquisador.

Novos testes até chegar ao consumidor

Disney Dias e Rosane Schwan revekam que o processo de industrialização da bebida está em fase de negociação com indústrias por meio do Núcleo de Inovação e Transferência Tecnológica (Nintec) da Ufla. Porém, são necessários mais testes a nível industrial, uma vez que a bebida foi desenvolvida com a escala de laboratório.

(*) Com informações da UFLA.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.