Quem o vê enchendo os cochos de ração no curral ou tratando o gado no pasto, não imagina que ele fala cinco línguas, já fotografou personalidades como Luana Piovani, Marília Gabriela e Gisele Bündchen, trabalhou para algumas das revistas de maior circulação do país como Casa Cláudia, Capricho, Quatro Rodas e Playboy e morou em Nova York, Londres, Paris e Berlim, alternando os ofícios de fotógrafo, professor e artista plástico, embora, certa vez, também tenha feito um “bico” como motorista, transportando, durante uma semana em Paris, ninguém menos que Caetano Veloso.
Rafael Hess, de 49 anos, é um estudioso inveterado. Filho de um engenheiro eletrônico e de uma fonoaudióloga, nasceu em São Paulo e, desde os 7 anos, já gostava de fotografar a irmã mais nova, Sharon, com uma câmera Kodak, presenteada por seu pai. Não parou mais.
No colégio, virou o fotógrafo oficial da turma, registrando excursões a cidades históricas e outros eventos, fez curso profissionalizante de fotografia no Senac, aceitou convites para fazer casamentos, montou um estúdio especializado em books de modelos e fez tanto sucesso que foi convidado para integrar o seleto time de fotógrafos da editora Abril, cuja sede ficava atrás do Shopping Morumbi em São Paulo.
“Foi um tempo de muito aprendizado com os melhores profissionais, equipamentos e estúdios, a melhor iluminação e aplicação de técnicas para fotografar pessoas, casas e carros de luxo. O ritmo de trabalho era tão intenso que, quase sempre, entrava noite adentro. Fui ficando debilitado porque era vegetariano e não achava nada para comer nas imediações do estúdio. Então, tomava café com bastante açúcar para conseguir ficar de pé”, conta.
De repente, Engenheiro Agrônomo
Ao final de dois anos, ele sentiu necessidade de ter outras experiências. E, já dando pistas do gosto pela terra e por ‘guinadas radicais no curso da vida’, matriculou-se em Engenharia Agronômica na Universidade Estadual de São Paulo. Calma, aí. Engenharia Agronômica? Sim, Rafael conta que sempre manteve um secreto flerte com as coisas da terra, da natureza e os processos de produção de alimentos. Era um plano B.
Entre idas e vindas do Brasil para a Europa, o já renomado fotógrafo lecionou fotografia em importantes instituições, trabalhou com ícones do fotojornalismo como Eugene Richards, no The Maine Photographic Workshops, foi correspondente de revistas como a mexicana Arcana, a holandesa De Groene Amsterdammer e a brasileira View Magazine, estudou Artes Plásticas na Universidade Paris-8 e participou de exposições na Alemanha, França e Estados Unidos.
Quando, finalmente, veio da Europa para o Brasil em definitivo, em 2006, tinha na cabeça uma ideia fixa: comprar uma terra e se mudar para o campo. Enquanto fazia pós-graduação em Agricultura Biodinâmica, comprou a fazenda Cajarana, a 1750 metros acima do nível do mar, no distrito de Costas, município de Paraisópolis, sul de Minas, região de belas paisagens e baixas temperaturas.
Um amigo arquiteto desenhou a casa sede obedecendo aos pedidos de funcionalidade, originalidade e despojamento. A construção é, literalmente, um retângulo com metade das paredes de vidro e a outra metade pintada de branco, com portas e janelas azuis. Um charme. Por dentro, apenas dois quartos, banheiro e uma cozinha americana integrada à sala onde chama a atenção uma enorme estante com livros sobre arquitetura, psicanálise, fotografia e, claro, pecuária.
Da agricultura orgânica aos rebanhos
A princípio, Rafael investiu no segmento da agricultura orgânica que combinava com sua filosofia de vida e tinha sua total simpatia. “Foi muito bom, deu muito certo, mas depois de um tempo acabei decidindo mudar de ramo por dificuldade de encontrar mão de obra especializada”, contou.
Era 2008 quando ele fez um curso de inseminação artificial no Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e decidiu trabalhar com vacas leiteiras da raça Jersolando, atividade à qual se dedicou por mais de dez anos. “Com o tempo foi ficando inviável por causa dos altos custos de produção e pela dificuldade dos laticínios chegarem à minha propriedade, que fica no alto de uma montanha com uma estrada de acesso íngreme, irregular e cheia de curvas”.
O jeito foi trocar a pecuária leiteira pela de corte, com foco na cria e recria de Angus e Ultrablack. “É um gado registrado, de Livro Aberto, como chamamos. Faço inseminação artificial nas vacas com sêmen dos touros que se destacam geneticamente”, explica.
De domingo a domingo
Rafael acorda às 5 horas da manhã e conta com a ajuda de apenas um funcionário para cuidar e alimentar um rebanho de 80 animais. É trabalho que não acaba. O filho Tomás, de 15 anos, é seu grande amigo e companheiro, mas só pode ficar com ele, na Cajarana, nas férias ou feriados prolongados.
E a labuta no campo não tem pausa: é de domingo a domingo. Tanto esforço tem valido a pena? Rafael avalia que o tempo que passou no exterior foi um período de formação porque “a metodologia de estudo deles é sensacional” e o ajudou a “aprender a pensar”.
Ao olhar pra trás, ele orgulha-se de sua trajetória. Afinal, conseguiu reunir uma diversidade de conhecimento pouco comum, embora ainda considere-se melhor artista plástico do que produtor rural, função que incorporou mas não está, exatamente no seu DNA. Pondera que se existisse a possibilidade de voltar a trabalhar com arte, ele voltaria. Mas sabe que não seria fácil porque seria preciso reabrir todos os caminhos de novo.
Sendo assim, ele escolhe continuar no campo, pelo menos, por enquanto, apreciando a simplicidade, o trabalho ao ar livre e a companhia inofensiva e afetuosa dos animais. “A atividade rural não é simples, é preciso muito jogo de cintura para equilibrar gastos, custos e outros desafios que surgem, mas é muito prazerosa. Posso dizer que sou feliz”, conclui.