A Embrapa Gado de Leite lançou durante a Megaleite, na semana passada, no Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, seu tradicional Anuário do Leite, que na traz na capa uma matéria sobre Leite Baixo Carbono
Leite Baixo Carbono é uma tendência sem volta?
Acreditamos que sim. Temos sido muito procurados por multinacionais interessadas em implantar essa premissa porque a pressão no exterior para que se produza um leite com uma ‘pegada’ de baixo carbono, é muito grande. Então, algumas empresas subsidiárias nos procuraram pedindo ajuda para implantar as práticas agropecuárias que vão permitir a redução desse ou até mesmo a neutralização desse índice. Mas o que a gente quer agora é que essa pressão seja não só nas matrizes das multinacionais, mas também dos nossos produtores, que eles entendam que sustentabilidade, agora, de fato, é irreversível. A eficiência do produtor de leite está diretamente ligada à baixa pegada de carbono. Não existe mais aquela crença de que pra você reduzir os índices de emissão, você tem que reduzir a produção. Pelo contrário, sua produtividade tem é que aumentar.
Já existem no Brasil empresas certificadoras que fazem o reconhecimento de uma propriedade com baixo carbono?
Para as que trabalham com pecuária de corte, sim. No leite, ainda não.
Então, o que fazer? Como as propriedades poderão se adequar às exigências do mercado externo?
Estamos trabalhando pra isso. Primeiro, é preciso implantar as boas práticas. Estamos nessa fase de investigar o que seria o considerado “o mínimo de carbono a ser emitido” no Brasil. Estamos fazendo estudos nesse momento.
Sob encomenda de alguma empresa ou órgão público?
Estamos fazendo a pedido da Nestlé, mas ela autorizou a divulgação para todos que estiverem interessados, assim que a pesquisa estiver pronta. O que eles querem, assim como todo o setor lácteo, é que os produtores, de um modo geral, tenham uma baixa pegada de carbono. Porque? Por que quando a gente pensar em exportar, já estaremos aptos, por que é bom para o meio ambiente e é importante que já seja uma cultura estabelecida em nosso meio.
No exterior, já existem essas certificadoras?
Sim, nosso trabalho agora, é ‘tropicalizar’ as métricas deles, que já estudam isso há muito tempo. Levando-se em conta nosso sistema de produção tropical e nossas raças tropicais.
Falando um pouco método de trabalho da porteira pra dentro, existe uma corrente de pensamento que acredita que os pequenos produtores tenham que aumentar suas escalas de produção para sobreviverem na atividade. Um outro grupo, incluindo técnicos de campo da Faemg, do Senar, em Minas Gerais, que argumentando que não há necessidade de aumentar a escala, contanto que os produtores sejam eficientes, que utilizem bem os recursos disponíveis e consigam ser sustentáveis, economicamente. O que você pensa a esse respeito?
É preciso que os produtores sejam eficientes. Se me perguntarem hoje quem vai permanecer na atividade leiteira, vou responder: “os eficientes”. E entenda-se como eficiente aquele produtor que, dentro da realidade dele, utiliza todos os recursos dos quais dispõe (mão de obra, recursos naturais, animais e pasto) e produz mais. É preciso aumentar a produtividade. Nem sempre é imprescindível aumentar a escala.
E quando o cooperativismo pode se tornar uma alternativa interessante?
Às vezes, o produtor, simplesmente, não consegue assumir uma escala maior e é aí é que entra o papel do cooperativismo. A escala possibilita ao produtor maior poder de barganha junto aos laticínios. Quando ele é muito pequeno e tem pouco leite para entregar, ele não recebe alguns benefícios que a indústria oferece para quem entrega uma grande quantidade. A logística é cara. Viajar para buscar pouco leite fica caro. Então, nesses casos, é interessante se unir a outros produtores para conseguir entregar leite e comprar insumos, por exemplo, por um preço melhor. O cooperativismo também é uma cultura que precisa ser introjetada em nosso país.
Porque é crescente o número de produtores de leite que desistem da atividade e migram para outros ramos da agropecuária?
Em geral, as desistências acontecem entre aqueles que não têm boas gestões de suas propriedades e acesso a assistência técnica. Então não adotam controle zootécnico, sabem “mais ou menos” quanto produzem, “mais ou menos”, quanto gastam, ‘mais ou menos’, quantas vacas estão em lactação… Não pode ser assim. Tem que encarar a atividade com profissionalismo e seriedade. Enquanto ele não enxergar o leite como ‘o negócio dele’ não vai dar certo. A gente só melhora naquilo que a gente tem consciência de que precisa melhorar.
Como o comportamento do consumidor interfere na lucratividade dos produtores?
A renda do consumidor está diretamente ligada ao consumo de produtos lácteos. Quando a renda dele cai, as primeiras coisas que ele tira do carrinho do supermercado são o queijo, o iogurte e o requeijão cremoso. Agora, estamos assistindo a essa campanha para diminuir o importação do leite em pó…que acaba sendo uma concorrência desleal com nossos produtores… acho que tudo isso tem que virar uma política de estado.
Como você vê a preocupação do público com o bem-estar animal?
Vejo com muito bons olhos. Mas há muita desinformação. É preciso que o setor leiteiro se comunique melhor com a população urbana. Estou pensando em fazer Dias de Campo para a população urbana lá em Juiz de Fora. Queremos levar as pessoas para que ver com os próprios olhos em que condições elas são criadas, se há alguma vaca infeliz, desconfortável ou sendo mal tratada. É preciso desmistificar isso. Não há. Até porque está mais do que comprovado que as vacas, submetidas a situações de estresse térmico, por exemplo, reduzem a produção de leite em até 1000 quilos por ano.
De acordo com relatório da Faemg, no último trimestre de 2022 houve uma queda de 5,6% na captação formal de leite em Minas Gerais, quando comparado ao mesmo período de 2021. Por que isso aconteceu?
De fato, houve uma redução na captação porque muitos produtores abandonaram a atividade, Está havendo uma concentração dos grandes produtores que entregam a maior parte do leite e também ocorreram fusões de indústrias lácteas. Vivemos um momento de grandes desafios no setor leiteiro. Mas lembro que os grandes desafios geram boas oportunidades se a gente souber olhar bem para elas.
Olha quantas coisas já falamos nessa entrevista:
oportunidade dos produtores se juntarem a outros no sistema do cooperativismo;
oportunidade da pesquisa atuar, fornecendo métricas para a baixa pegada de carbono
oportunidade para o crescimento da extensão rural
oportunidade dos governos criarem políticas públicas para o setor
Você é uma defensora apaixonada da pecuária de leite?
Sou. Meu sonho é ver o setor estabelecido, sem tantos altos e baixos. O produtor de leite, hoje, ainda é conhecido como o “chorão’ do agronegócio. Ele está sempre chorando o leite derramado. Não adianta reclamar. Isso é perda de tempo. Preço não se discute, quem faz é o mercado. Podemos discutir gestão, reprodução, melhoramento genético ou manejo de pastagem. Preço não, ele é consequência.
Leite Baixo Carbono - Entenda!
De maneira bem simplificada, podemos dizer que é um sistema por meio do qual adota-se várias técnicas de manejo que fazem com que os animais produzam menos gases metano (puns e arrotos). Mas, para receber a chancela, é preciso comprovar por meio de certificações.