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Produtores rurais de Fortuna de Minas investem em fossas sépticas para melhorar a qualidade da água da região

Atingidos pela lama remanescente da tragédia de Brumadinho, eles esperam contribuir para a melhoria da água “para além do rio Paraopeba”

“Nas épocas de chuva, dá pra ver os rejeitos até hoje. São placas gigantes e uniformes, compostas de resíduos”.

Produtores rurais do município de Fortuna de Minas e as comunidades rurais de Beira Córrego, Córrego de Areia e Três Barras - todos no entorno do Rio Paraopeba - atingidos pela lama tóxica proveniente do rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019, estão aprendendo a fazer fossas sépticas ecológicas com o objetivo de cuidar da qualidade da água da região para “além do rio Paraopeba”.

O instrutor do curso oferecido pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), Hérkson Mota Maia, acredita que a tragédia que contaminou os mananciais hídricos, nascentes, afluentes do Paraopeba e o próprio Paraopeba e atingiu pastagens, áreas férteis e agricultáveis, fez com que os moradores e produtores rurais da região se tornassem muito mais conscientes e preocupados com a qualidade da água que utilizam em suas casas e produções.

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Tanto que o curso coordenado por ele, teve muitos interessados. A ideia é que a metodologia de construção de fossas ecológicas sirva de referência para a construção de outras 300 fossas semelhantes na zona rural. Os participantes “selecionados a dedo” são todos produtores de frutas e hortaliças da região.

Segundo o instrutor, desde o rompimento da barragem, os moradores de dezenas de municípios passaram por diversos problemas de saneamento, sofreram com a desvalorização de suas terras e, até hoje, convivem com a escassez de água potável, sendo socorridos por caminhões-pipa. Além disso, a lama tóxica que atingiu as criações e plantações, até hoje, compromete a credibilidade dos produtos entregues ao mercado, além de frutas, milho, sorgo, mandioca e cana..

O presidente da Associação Comunitária de Beira Córrego, Retiro das Moreiras e adjacências, Abdalah Nascif Neto, contou que era pecuarista de leite e, na ocasião do acidente, perdeu toda a renda. A filha, que trabalhava com ele, teve que se mudar para Sete Lagoas, à procura de um emprego e todo o sonho de uma vida, foi por água abaixo. “Tínhamos uma vida tranquila. Íamos ao rio pescar. Não vamos mais e eu não tenho mais coragem de comer nenhum peixe do Paraopeba”, falou.

Hoje, Abdalah tornou-se fruticultor e também cultiva milho e sorgo para alimentação do seu próprio gado. Ele disse que o curso veio em muito boa hora e tem ajudado a levar otimismo e esperança aos produtores. “Todos estão animados por estarem aprendendo algo novo que impactará na saúde e qualidade de vida de todos, na preservação das nascentes, na produtividade das hortaliças, pomares e criações e na conscientização e educação das futuras gerações”. Abdalah mora numa comunidade remanescente de um quilombo. Juntos, eles produzem acerola, manga, caju, goiaba e tamarindo e vendem para uma associação que processa e comercializa as polpas de frutas congeladas.

Tratamento Integral da Àgua

O instrutor Hérkson explica que as fossas sépticas servem para tratar a água do vaso sanitário, mas, durante o curso, os alunos aprendem outras possibilidades para tratar as chamadas “águas cinzas”, que são o restante dos efluentes do esgoto doméstico. “Nossa proposta é contemplar o tratamento integral da água utilizada pelas comunidades. A intervenção com as fossas sépticas trata a água dos mananciais no entorno do Paraopeba e cuida do lençol freático que abastece as cisternas”.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.