Ouvindo...

Turismo pelo Nordeste nos anos 80 e 90: só para quem viveu

Viajar pelo Nordeste nas décadas de 1980 e 1990 era uma aventura de raízes culturais que marcaram uma geração.

Turismo pelo Nordeste nos anos 80 e 90 só para quem viveu

Viagens com cara de aventura real

Viajar pelo Nordeste nos anos 80 e 90 era muito mais do que conhecer belas praias. Era se aventurar por estradas longas, com pouco ou nenhum conforto, enfrentar imprevistos e, mesmo assim, guardar na memória algumas das experiências mais marcantes da vida. Com poucos recursos e zero tecnologia, as viagens se transformavam em verdadeiros rituais de descoberta da geografia, da cultura e, acima de tudo, de si mesmo. Hoje, essas histórias parecem coisa de filme, mas foram vividas intensamente por milhares de brasileiros.

Turismo pelo Nordeste nos anos 80 e 90 só para quem viveu

Ônibus, paradas e pastel de rodoviária

Naquela época, pegar um voo era luxo. A imensa maioria dos turistas chegava ao Nordeste de ônibus interestadual, após 30, 40 ou até 50 horas de viagem. As paradas eram verdadeiros eventos: tinha pastel frito, caldo de cana e vendedores oferecendo redes, rapaduras e até relógio pirata na beira da rodoviária. Com músicas sertanejas tocando no rádio do motorista, o clima era de convivência coletiva, mesmo com calor e pouco espaço. Era cansativo, sim, mas cada parada tinha gosto de descoberta, e o trajeto virava parte da diversão.

Mapa de papel, intuição e conversa na estrada

Waze e Google Maps não existiam. Para chegar a destinos como Porto de Galinhas, Maragogi ou Jericoacoara, era preciso confiar nos mapas rodoviários dobráveis (geralmente distribuídos por postos de gasolina) e na intuição de quem dirigia. As placas de sinalização eram escassas, mal cuidadas, e pedir informação para os moradores era mais eficaz do que qualquer GPS. Isso criava uma dinâmica de contato com a população local que ajudava a fortalecer o turismo raiz e deixava tudo mais humano.

LEIA MAIS:

Biquínis que contam a história do Brasil no século 20
Coletivos e escolas de surf femininos: presença de mulheres no esporte
Beach Boys: a banda que eternizou o som do surfe

Hospedagens simples com alma

Esqueça resorts. Os anos 80 e 90 eram tempos de pousadas familiares, quartos alugados na casa de moradores ou até mesmo acampamentos improvisados perto da praia. O que faltava em luxo, sobrava em acolhimento. As redes eram penduradas em varandas, o café da manhã era feito no fogão à lenha e as conversas com os anfitriões rendiam dicas preciosas sobre praias escondidas, festas populares e comidas típicas. Cada estadia era única e, mais importante: cheia de histórias reais.

Sabores autênticos à beira-mar

Viajar pelo Nordeste naquela época era também uma experiência gastronômica autêntica. Os cardápios não tinham QR Code, fotos ou tradução para o inglês. Eram escritos à mão, com pratos como galinha à cabidela, sarapatel, mungunzá e peixe na brasa. Comer à beira-mar custava pouco e alimentava muito. A comida era preparada com ingredientes frescos, muitas vezes colhidos ali mesmo. Hoje, esses sabores continuam vivos em muitos lugares, mas naquela época tinham um gosto ainda mais especial: o da novidade sem pressa.

Festas de rua e encontros inesperados

A ausência de redes sociais fazia com que as festas fossem divulgadas no boca a boca. Quem chegava em cidades como Olinda, São Luís ou Salvador era surpreendido por blocos de rua, rodas de forró ou serestas inesperadas em praças públicas. Era fácil se sentir parte da comunidade, porque os encontros eram reais, espontâneos e livres de likes ou filtros. Muitos viajantes fizeram amigos, ou amores de verão, que duram até hoje.

Praias intocadas e livres de barracas

O turismo em massa ainda não havia chegado com força, o que significava que muitas praias eram desertas, sem barracas padronizadas, sem som alto e sem lixo. Locais como Pipa (RN), Morro de São Paulo (BA) ou Canoa Quebrada (CE) eram verdadeiros paraísos escondidos, acessíveis apenas por trilhas, barcos ou estradas de terra. Os coqueiros balançavam ao vento, os peixes nadavam próximos à areia e a sensação era de total liberdade. Tudo isso sem precisar fazer check-in online ou “gerar conteúdo”.

Improviso como regra de ouro

Naquele tempo, viajar era improvisar. O porta-malas carregava barraca, isopor e até galão de água. As roupas eram recicladas de viagens anteriores, e as fotos eram tiradas com câmeras analógicas — muitas vezes sem foco, mas cheias de verdade. A revelação dos filmes fotográficos só acontecia semanas depois, e cada imagem carregava emoção. Essa estética do improviso virou tendência atual, mas quem viajou naquela época sabe que não era estética: era realidade.

Experiências que moldam caráter

Viajar nos anos 80 e 90 exigia mais do que dinheiro: exigia disposição. Era preciso lidar com desconfortos, imprevistos e falta de estrutura. Mas, em troca, ganhava-se algo valioso: experiência real. Sem curadoria de conteúdo ou roteiros prontos, as viagens pelo Nordeste ensinavam a se adaptar, a observar, a respeitar as diferenças e a se encantar com o inesperado.

Um passado que inspira o presente

Hoje, muitas dessas experiências são romanticamente chamadas de “vintage” ou “roots”. Mas, mais do que saudosismo, elas revelam um desejo atual: o de desacelerar, reconectar-se com o essencial e viver de verdade. O passado não volta, mas ele inspira. E o Nordeste continua sendo um lugar mágico para isso — agora com mais estrutura, mas ainda com aquele calor humano inconfundível.

Turismo nostálgico como escolha consciente

As novas gerações têm redescoberto o valor do turismo com propósito. O que antes era vivência por falta de opção, hoje vira escolha: viajar sem pressa, consumir de quem é local, fugir das rotas massificadas. A nostalgia dos anos 80 e 90 serve de guia para um turismo mais consciente, sustentável e sensível às riquezas culturais do Nordeste.

Leia também

Profissional de Comunicação. Head de Marketing da Metalvest. Editor do Jornal Lagoa News. Líder da Agência de Notícias da Abrasel. Ex-atleta profissional de skate. Escreve sobre estilo de vida todos os dias na Itatiaia.