Da casa organizada por hierarquias ao cotidiano real
Não faz tanto tempo que a estrutura das casas seguia uma lógica rígida e quase ceremonial. Havia uma sala de visitas reservada exclusivamente para receber convidados, com uma mesa impecável e louças escolhidas a dedo, peças que às vezes nem chegavam a ser usadas. No dia a dia, a família ocupava outro espaço, mais simples e apartado dessa vitrine social.
O mesmo acontecia com o quarto de televisão, onde todos se espremiam para assistir aos programas favoritos. Já a cozinha era um território fechado, deixado apenas para quem trabalhava ali, longe das conversas e da convivência afetiva. Esses hábitos surgiam de uma herança burguesa do século passado, período em que a arquitetura doméstica reproduzia a própria hierarquia social. A sala de visitas funcionava como um cartão de apresentação da família, enquanto a cozinha era tratada como espaço de serviço e nada mais. Cada ambiente carregava a função de mostrar quem mandava, quem servia e quem deveria apenas circular.
O passado das salas intocáveis
Muitos de nós crescemos em casas onde a sala de visitas era praticamente um monumento. Não se podia brincar ali, nem descansar ou aproveitar os sofás alinhados. Almofadas milimetricamente posicionadas, quadros que ninguém tocava, louças que pareciam decorativas. Era um cômodo feito para existir mais como símbolo do que como espaço real. A casa ficava dividida entre os lugares “para mostrar” e os lugares “para viver”. E, assim, os ambientes acabavam se tornando fantasmas: perfeitos, silenciosos e, paradoxalmente, pouco usados.
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Os tempos mudaram. Hoje, a configuração dos ambientes revela outra forma de entender convivência. As casas ficaram menores e mais funcionais e, por isso, aprendemos a aproveitar cada metro com inteligência. A cozinha deixou de ser uma área isolada e se tornou novamente o coração da casa, como já foi em tempos antigos, quando era ponto de encontro, conversa e afeto. Agora, salas integradas são sinônimo de modernidade e conforto, valorizadas justamente porque conectam rotina, afeto e praticidade. Já o antigo “quarto de TV” quase desapareceu. Em vez disso, criamos espaços híbridos, onde a vida acontece de maneira fluida: cozinhar, conversar, trabalhar, descansar. Se antes a tendência era dividir e hierarquizar, hoje a palavra que define nossas casas é integração.
Ambientes que contam a vida como ela é
Essa mudança não reflete apenas estética ou moda. Ela revela uma transformação social mais profunda. Vivemos de maneira mais colaborativa, menos rígida, menos formal. Queremos acolhimento, não exibição. Queremos usar os espaços, não apenas mostrar que temos. A casa contemporânea é construída para receber, aproximar e simplificar. Cada ambiente precisa ter função verdadeira e, ao mesmo tempo, manter o charme do que é vivido. Assim, deixamos para trás os “cômodos fantasma” e abraçamos casas que contam histórias, as nossas histórias.