A eleição de Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, marcou um momento crucial na redemocratização do Brasil após 21 anos de ditadura militar. Ela não foi realizada pelo voto direto, mas sim por meio de um Colégio Eleitoral, sistema mantido pelos militares para preservar algum controle sobre a transição política.
A eleição colocou Tancredo, da Aliança Democrática - uma coalizão formada pelo PMDB e dissidentes do PDS - contra Paulo Maluf, o candidato oficial do regime. Tancredo venceu com 480 votos do colégio eleitoral, contando com o apoio de antigos aliados do regime militar e de forças de oposição.
Embora o país estivesse caminhando para a redemocratização, o processo que levou Tancredo à presidência foi carregado de tensões políticas, manobras institucionais e contradições. Apesar da vitória, Tancredo morreu antes de tomar posse, transferindo o comando do país ao vice, José Sarney.
Contexto
Nos anos anteriores à eleição, o Brasil passava por uma reorganização partidária promovida pelo governo militar, liderado pelo general João Figueiredo.
“O Figueiredo vai fazer uma reforma partidária, promover a formação de outros partidos, como forma inclusive de enfraquecer a oposição crescente aos governos militares. Então temos o surgimento do MDB. Aliás, a Arena vai transformar-se no Partido Democrático, no PDS, que vai lançar o Paulo Maluf em 1985, e o MDB, o Partido Movimento Democrático Brasileiro, que vai dar origem ao PMDB”, explica o Wilher de Freitas Guimarães, professor de História do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte.
“O fato é que esses partidos de oposição venceram as eleições para governadores, os maiores colégios eleitorais do país, São Paulo, Rio e Minas. E somado a isso, em 1983, os movimentos sociais. E políticos no Brasil iniciaram uma campanha pela volta das eleições presidenciais diretas”, segue.
A popularidade do movimento “Diretas Já", que mobilizou milhões de brasileiros em 1983 e 1984, mostrou o desejo nacional por eleições diretas. Contudo, a emenda que permitiria o voto direto foi rejeitada pelo Congresso Nacional, ainda sob forte influência do regime militar.
A Morte de Tancredo
O entusiasmo pela vitória de Tancredo foi interrompido. Dias antes de tomar posse, ele foi internado com sintomas de apendicite e e morreu em 21 de abril de 1985. O país passou a ter José Sarney como presidente - um político que havia sido filiado à Arena, partido que sustentou o regime militar.
“Então você vê todo esse arranjo político. Os movimentos e os partidos de oposição obviamente naquele momento lançaram palavras de ordem, o povo não esquece o PDS”, explica o professor.
Sarney promove mudanças políticas e econômicas durante seu mandato.
“A mais importante foi a convocação de uma Assembleia Constituinte, encarregada de elaborar a Constituição do país. Os trabalhos iniciados em fevereiro de 1987, culminando em outubro de 1988, na Constituição promulgada pelo presidente da Câmara, Ulisses Guimarães, que vai chamar de Constituição Cidadã, é uma referência dos direitos conquistados pelos cidadãos brasileiros, principalmente parcelas da sociedade brasileira, como os indígenas, afrodescendentes que não receberam a atenção do poder público”.
Transição na América Latina
O processo vivido pelo Brasil não foi isolado. Na década de 1980, a América Latina passou por diferentes processos de redemocratização.
“Quando analisamos o final das ditaduras na região, é importante considerar o cenário mais amplo dos anos 1980. Em 1985, no Brasil, tivemos o fim da ditadura militar, enquanto o mundo enfrentava o término da Guerra Fria, o colapso da União Soviética e a dissolução do sistema bipolar. Na Argentina, por exemplo, o regime militar liderado por Leopoldo Galtieri foi enfraquecido pelo conflito com a Inglaterra, a famosa Guerra das Malvinas, em 1982. Esse enfraquecimento culminou na transição presidencial em 1989. No Chile, o fim da ditadura de Pinochet também ocorreu em 1989, com eleições presidenciais que marcaram o retorno à democracia”.
Apesar da fatalidade antes do início do mandato, a eleição de Tancredo Neves se insere em um contexto de mudanças globais e regionais.