O Banco Central da Argentina elevou a taxa de juros de 91% para 97%, nesta segunda-feira (15), a primeira de uma bateria de medidas que serão anunciadas pelo governo para combater a inflação, de mais de 108% em 12 meses, em um contexto social e econômico tenso, antes das eleições presidenciais de outubro.
O objetivo da autoridade monetária é “se mover para retornos reais positivos sobre os investimentos em moeda local [com vistas à rentabilidade] e agir imediatamente para evitar que a volatilidade financeira atue como motor das expectativas de inflação”, afirmou a autoridade monetária em comunicado oficial.
A medida adotada pelo Banco Central implica em um aumento de 600 pontos na taxa básica de juros e é o primeiro passo de um programa que inclui, entre outros, estímulos ao consumo e à importação de alimentos para conter um aumento dos preços ao consumidor, que disparou para 8,4% mensais em abril.
Os argentinos sofrem diariamente. “A princípio, eu não vejo as notícias para não me contaminar. Tudo é uma confusão, sendo assim, vivo o dia a dia quando vou fazer compras. É aí que me dou conta de que as coisas estão aumentando, de que isto está durando muito tempo e que está se complicando”, afirmou à AFP TV Julio, um artesão de 50 anos, que não revelou seu sobrenome.
O ministro da Economia, Sergio Massa, potencial candidato à Presidência pela situação peronista, ainda não detalhou em que momento as medidas serão anunciadas.
Segundo a imprensa argentina, haverá uma abertura de importações em setores sensíveis, como alimentos frescos e têxteis, e um controle maior dos preços no comércio, juntamente com um reforço dos subsídios sociais, em um país onde a taxa de pobreza chegou a 39,2% no fim de 2022.
“São medidas para combater a inflação sem parar a atividade econômica, uma tarefa muito difícil. Continua tudo igual”, resumiu à AFP Pablo Tigani, diretor da consultoria Hacer.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) está “avaliando as medidas”, disse um porta-voz da organização.
“Seguimos discutindo [com a Argentina] formas de fortalecer o programa [pelo empréstimo de 44 bilhões de dólares - R$ 216 bilhões, na cotação atual] e garantir a estabilidade à luz da grave seca. Isto inclui políticas para melhorar a sustentabilidade fiscal e fortalecer as reservas, as duas essenciais para reduzir a inflação, protegendo, ao mesmo tempo, os mais vulneráveis”, assinalou a fonte do FMI.
Dólar como refúgio
O governo do presidente Alberto Fernández e o Banco Central querem que os juros sejam atraentes para desencorajar a forte demanda por dólares em um país onde a moeda americana virou um refúgio frente à inflação galopante.
“A ideia é evitar o atraso cambial e aumentar a taxa de juros para que tampouco haja tantos pesos no mercado a ponto de irem para o dólar”, disse Tigani, explicando a pressão do excesso de pesos sobre a moeda americana no contexto de uma inflação elevada.
Na Argentina, vigoram restrições à compra de divisas, que acabam incentivando o mercado ilegal, onde o dólar é negociado pelo dobro da cotação oficial de 241,39 pesos.
O aumento do valor do dólar no mercado paralelo (1,90% a 483 pesos, nesta segunda) se reflete em remarcações de preços porque a moeda americana é uma referência e um termômetro das expectativas do consumidor.
A Argentina enfrenta, ainda, a pior seca de sua história, que afetou sua maior fonte de receita, o setor agroexportador.
Desde janeiro, a Argentina perdeu mais de 5,5 bilhões de dólares (27 bilhões de reais na cotação atual) de suas reservas internacionais, que somam 33,47 bilhões de dólares (164,3 bilhões de reais), informou o Banco Central. As reservas líquidas estariam bem abaixo deste número, segundo economistas.
O índice da inflação em abril foi de 8,4%, o maior dado mensal em três décadas, com aumentos de 10% nas frutas e verduras. O custo de vida subiu 32% no acumulado do ano.
“Até a semana passada, para uma compra cotidiana de leite, pão, uma coisa assim, gastava entre 3.000 e 3.500 pesos [US$ 12,4 ou R$ 60,88 na cotação desta segunda], hoje estou gastando 5.000 pesos [US$ 20,7 ou R$ 101,2]. Ou seja, essas diferenças... É terrível. Agora comprei para duas refeições e foram 5.000 ou 6.000 pesos, sem falar se comprar carne ou frango”, lamentou Fabiana San Pietro, dona de casa.
Alimentos caros
Fontes do Ministério da Economia citadas pela agência estatal Télam explicaram que a importação de alimentos de forma direta e com tarifa zero tentará “reduzir o preço efetivo da venda ao público de produtos frescos - frutas, verduras, hortaliças e carnes - e produtos secos não perecíveis”.
Segundo a imprensa, a taxa de juros de estímulo às compras a prazo para a aquisição de bens e serviços também será reduzida.