As academias pelo Brasil ficam lotadas na reta final de cada ano, com a maioria dos atletas em busca de compensar os “excessos de dezembro”. No Google, buscas como “queimar calorias rápido” e “treino pós-ceia” chegam a subir 50% no mês de dezembro, impulsionadas pelo medo de desandar na rotina fitness durante as festas. A lógica do “treino compensatório”, porém, não encontra respaldo científico.
O treinador Lucas Florêncio, da Smart Fit, afirma que não há como zerar o saldo energético de um dia de exageros apenas com exercício. Segundo ele, forçar o corpo no curto prazo tende a gerar sobrecarga, não resultados. Para o especialista, o aumento brusco no volume ou na intensidade dos treinos em dezembro eleva significativamente o risco de lesões como tendinites e fraturas por estresse.
Também há impactos hormonais na estratégia. De acordo com Florêncio, o excesso de estímulo sem recuperação adequada eleva cronicamente o cortisol (hormônio associado ao estresse, à inflamação e ao aumento do apetite) e pode até levar à perda de massa muscular. A combinação de picos de cortisol, fadiga e piora do sono, comum durante as festas, cria o cenário oposto ao desejado: queda de performance, mais apetite e menor capacidade de regular o próprio corpo.
Noites mal dormidas também aumentam a fome, diminuem a saciedade e prejudicam o tempo de reação do corpo, ampliando o risco de acidentes e queda de performance. Já o álcool compromete a síntese proteica, desidrata e interfere diretamente na função muscular. “Ele prejudica a recuperação e a qualidade do sono, o que afeta o treino no dia seguinte”, explica o treinador.
A orientação de profissionais da área da educação física é abandonar a lógica da compensação e apostar na constância. “O ideal é treinar com qualidade, preservar a intensidade da força e evitar aumentos súbitos de volume”, diz.
Em alguns casos, uma leve redução de séries ou exercícios acessórios pode favorecer a recuperação e garantir desempenho estável ao longo do mês.
Sessões curtas de HIIT, treino intervalado de alta intensidade, caracterizado por picos curtos de esforço máximo intercalados com pausas breves, podem ser incluídas, desde que a pessoa já seja adaptada. A recomendação geral, no entanto, é priorizar o movimento cotidiano. Caminhadas, escadas e pausas ativas têm impacto significativo no gasto energético sem aumentar o risco de lesão.
Dieta sem milagres
A nutricionista da Smart Fit, Amanda Liberalesso, reforça que dietas restritivas antes das festas e protocolos “detox” depois delas, não funcionam. Restringir demais faz o organismo entrar em modo de economia de energia, o que aumenta o risco de compulsão e reforça o ciclo de culpa e punição. Ela recomenda refeições estruturadas, priorização de proteína, hidratação e manutenção da rotina alimentar ao longo de dezembro.
Antes das ceias, pequenas estratégias ajudam a evitar exageros. Alimentos que combinam proteína, fibra e água, como iogurte com fruta, ovos com legumes ou um lanche com frango e salada, reduzem a chance de chegar na ceia com fome extrema e perder o controle. No dia seguinte, a melhor orientação é voltar à normalidade: hidratar, equilibrar as refeições e evitar jejuns punitivos.
No treino, a lógica é parecida. Após uma noite de excessos, Lucas Florêncio recomenda descanso relativo e retorno gradual. “Não é produtivo tentar compensar no dia seguinte. A recuperação deve ser a primeira prioridade”, afirma.
No fim das contas, os especialistas são unânimes: a saída mais eficaz para o mês de dezembro é substituir a culpa por autocuidado. Com ajustes moderados, priorização dos pilares de recuperação - sono, hidratação e força -, e uma rotina que faça sentido no longo prazo, é possível aproveitar as festas sem medo e sem recorrer a medidas extremas.