A minissérie brasileira “Pssica”, lançada há pouco mais de uma semana, continua entre os títulos mais assistidos da
Ambientada na região Norte do Brasil, a história entrelaça diferentes destinos marcados pela violência. Preá (Lucas Galvino), que precisa encarar seu papel como chefe de uma gangue; Mariangel (Marleyda Soto), movida pela vingança após a morte da família; e principalmente Janalice (Domithila Catete), jovem vítima do tráfico humano que expõe o drama da exploração sexual de meninas.
A série é tão realista em suas cenas e personagens que é inevitável se perguntar: Janalice existe? A história é baseada na realidade? Para entender a inspiração, a reportagem da Itatiaia conversou com o autor da obra, Edyr Augusto.
De forma direta, o escritor responde que os personagens não são reais. Porém, o cenário é bastante verdadeiro. “O livro aborda um problema real que acontece no mundo todo, não somente aqui na Amazônia, não somente em Belém (PA)”, explica. “Colecionei notícias de jornais locais durante uns dois anos, porque queria escrever sobre isso. Então, houve uma inspiração concreta para escrever Pssica.”
O livro foi publicado há 11 anos, mas continua atual ao retratar um problema social que tem, em sua maioria, rostos femininos. Segundo o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas, elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a exploração sexual aparece como a segunda principal finalidade do tráfico de pessoas no Brasil — ficando atrás apenas do trabalho análogo à escravidão.
Dentro desse recorte, as mulheres são maioria. Dados do levantamento mostram que 62,8% (191) das vítimas atendidas de tráfico humano pelo SUS são mulheres, predominância diretamente associada a casos de violência e exploração sexual. Ainda que adultas sejam maioria, também há números significativos em relação a crianças e adolescentes. Nesse mesmo relatório, 14,8% (45) eram crianças de 0 a 12 anos e 14,4% (44) adolescentes de 13 a 17 anos.
"É algo extremamente grave, mas a minha impressão é de que a sociedade deixa para lá. Acho que deveria haver uma ação mais evidente, um repúdio da sociedade”, diz o autor paraense.
Assim como a personagem Janalice de Edy, o relatório do governo federal aponta a vulnerabilidade social como fator central. Entre os principais elementos estão as condições socioeconômicas precárias. Os setores mais associados à exploração incluem a prostituição, a indústria pornográfica e o turismo.
Autor do livro Pssica aprovou roteiro
Na série, a trajetória e o desfecho da personagem Janalice são apresentados de forma diferente em relação ao livro. O autor Edyr Augusto conta que leu o roteiro e compreende as adaptações feitas.
“Eu acho que são gêneros diferentes. Uma coisa é o livro, outra é a série. Como gênero distinto, é preciso ter outros movimentos, algumas sugestões, personagens que se unem em um só para dar mais agilidade. Enfim, compreendo tudo isso, não vejo problema nenhum. Estou muito satisfeito. Eu escrevi o livro, espero que todos leiam, e espero também que assistam à série”, afirma.
A expectativa do escritor é de que a produção da Netflix estimule a busca pela obra original. “Espero que haja um aumento significativo na procura do livro. Nos comentários, muita gente tem dito isso, e é muito boa essa sinergia entre literatura e audiovisual”, afirma. “Quero que mais pessoas leiam não só Pssica, mas também meus outros livros e, sobretudo, que voltem sua atenção para a cultura do Pará. Temos muita gente talentosa para apresentar ao mundo”, acrescenta.
Quem é Edyr Augusto?
Edyr Augusto Proença é jornalista, escritor, dramaturgo e diretor de teatro. Trabalhou como radialista e redator publicitário e também produziu jingles. Suas narrativas estão todas ancoradas na realidade paraense.
Em 2013, com a publicação de “Os éguas”, o autor ganhou destaque na cena literária parisiense. O livro recebeu, em 2015, o prêmio Caméléon de melhor romance estrangeiro, na Université Jean Moulin Lyon 3. Desde então, seus romances vêm sendo traduzidos para o francês. Pela Boitempo, publicou “Eu já morri”, “Casa de caba”, “Um Sol para Cada Um”, “Selva Concreta”, “Pssica”, “Belhell”, “Os Éguas” e “Moscow”.