Desgastado, mas sempre perene, foi o amor que uniu as irmãs Carola e Jiulia Castro a Beatriz Ayumi e Azula em torno de um ideal que, para além dessas quatro meninas, ajudou a transformar a vida de mais de 400 famílias, realizando o princípio da cultura.
“Esse amor se estendia a todas as artes”, conta Carola. Há cerca de cinco anos, ela rumou com sua trupe para São João del-Rei. “Jiulia e Ayumi estavam cursando a graduação lá, e eu e Azula fomos viver perto delas e curtir a vida no interior. Ao juntarmos, tudo aconteceu”, relembra. Em 2022, Azula deixou a companhia, que passou a contar com Sarah Santiago.
A “ânsia de abrir o próprio negócio”, aliada ao “amor inexplicável, principalmente pela música”, germinou uma empresa seminal, batizada de Nonada Criações, uma alusão ao histórico neologismo de Guimarães Rosa que abre o clássico “Grande Sertão: Veredas”. Elas começaram com projetos de amigos próximos, até alcançarem o primeiro grande festival, com o BH STONE-Garagem Rock Festival, “e, na caminhada, fomos nos especializando como um gabinete de projetos”.
“Nós prestamos um serviço que chamamos de 360 graus, no qual realizamos todas as etapas do projeto. Começamos pelo planejamento, quando escolhemos os editais, quais são os melhores projetos e qual o melhor momento. Depois, cuidamos da elaboração, documentos, acompanhamento dos resultados, contratação, execução e pós com a prestação de contas. Tudo isso em uma linguagem acessível e próxima do cliente, entendendo a necessidade dele em cada projeto”, sustenta Carola.
Pandemia. Tudo corria bem quando o baque provocado pela pandemia de Covid-19, em 2020, abriu uma janela de oportunidade para a iniciativa. “Tivemos um chamado especial de grupos da cultura tradicional e popular, que estavam passando muita dificuldade e que não tinham rede de apoio, e, quando veio a Lei Aldir Blanc, com objetivo de socorrer o setor cultural, nós agimos rápido e criamos um sistema de atendimento. Conseguimos aprovar e executar 700 projetos no Brasil inteiro”, orgulha-se Carola.
O feito possibilitou a distribuição de mais de R$6 milhões para 400 famílias. “Foi uma experiência incrível, difícil, mas vencemos e aprendemos muito sobre acessibilidade real, em como ajudar as pessoas a aprovarem projetos totalmente burocráticos e online para quem nem computador têm, em que a maioria não é letrada”, reflete. O empenho e dedicação rendeu frutos. Elas venceram a etapa Minas do Prêmio Rodrigo Melo Franco-Iphan em 2021. Nascia a É Cultural, e, nesse reposicionamento, elas também criaram a Nonada Associação Cultural.
“Ajudamos com estratégia e, principalmente, cuidando da parte burocrática, já que a maioria dos nossos clientes não consegue ler e entender a linguagem jurídica de um edital, ou a dinâmica dos sistemas de financiamento. É aqui que nós entramos com nossa experiência e conhecimento em projetos, com um atendimento acessível e completo. O que nos liga é, realmente, a capacidade de agir, de contribuir, de apoiar os artistas e fazedores de cultura em sua missão de melhorar o mundo, torná-lo mais divertido e mais amoroso. A cultura é um lugar de transformação, e é nisso que acreditamos”, resume Carola.
Oportunidades. Nesse momento, as atenções estão voltadas para a Lei Paulo Gustavo, que promete um aporte de mais de R$3 bilhões em repasses do governo federal para estados e municípios. “A Lei Paulo Gustavo vem com a mesma lógica da Lei Aldir Blanc de 2020, o objetivo de ambas é socorrer o setor no pós-pandemia. Entretanto, a Lei Paulo Gustavo provém de recursos do fundo nacional audiovisual que não foram executados pelo governo anterior, por isso 70% desse recurso tem que ser aplicado em editais e ações do segmento audiovisual”, explica Carola.
Editais da Lei Paulo Gustavo já foram abertos em São Paulo e no Rio de Janeiro e, em setembro, devem começar a acontecer em Minas. “A expectativa é que com esse esforço o setor, e todos os conexos, recebam um respiro, gerando forte demanda de contratações de mão de obra, locações, técnicos e prestadoras de serviços do setor cultural e de eventos. Após a finalização das produções, também haverá uma grande onda de entrega de obras artísticas que, atreladas à democratização do acesso, aumentarão a disponibilidade descentralizada de espaços de exibição e, por conseguinte, da fruição do público a novas produções”, observa a entrevistada.
Segundo ela, a Lei Paulo Gustavo “é uma grande oportunidade para reaquecer o setor criativo e reconstruir novos padrões de comportamento no consumo cultural”. Essa visão se conecta com uma das premissas da É Cultural, de dar vazão à cultura praticada por grupos historicamente marginalizados. “Historicamente, os grupos da cultura tradicional e popular sempre estiveram fora dos sistemas de fomento e financiamento públicos. Esse problema compromete a salvaguarda de saberes tradicionais e de patrimônios, principalmente dificultando a transmissão dos saberes culturais tradicionais entre gerações”.
Gerações. Carola utiliza um exemplo bem didático para provar seu ponto. “Como um filho de mestre congadeiro vai se interessar pela continuidade do ofício do pai se não conseguir se sustentar com a arte que ele carrega? E como é que ele vai fazer isso sem o apoio dos sistemas de fomento se essa arte é costume, ou seja, não é comercial?”, questiona.
“É aqui que a democratização desses recursos é essencial. Fazer chegar até povos indígenas, quilombolas e outros tantos é fazer cumprir o objetivo dos sistemas de fomento. Com a Lei Paulo Gustavo essa necessidade aumenta, visto que a maioria desses segmentos ainda não se recuperou da pandemia”, completa.
Por isso, ela reafirma o compromisso de sua empresa com “a inovação e a democratização do acesso a serviços eficientes e de qualidade”. “O principal desafio do setor cultural no Brasil neste ano é executar a Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc ao mesmo tempo, exatamente onde atuamos hoje. Nos próximos anos, vamos ampliar o atendimento para mais estados e dobrar a quantidade de projetos anuais, com foco em oferecer uma gama maior de serviços para os clientes e em mais lugares. Em 2024, teremos que lidar com a reforma tributária e todos os impactos impensáveis no sistema de fomento”, salienta. “Estamos nos preparando para atuar em todos os desafios e contribuir para um melhor desenvolvimento da indústria criativa”, arremata.