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Centenário de Waldir Azevedo: músico foi homenageado por xará mineiro

Cavaquinhista carioca mudou a história do instrumento ao colocá-lo em primeiro plano e compor o clássico ‘Brasileirinho’

Waldir Azevedo é autor de grandes clássicos ao cavaquinho, como ‘Brasileirinho’, ‘Pedacinhos do Céu’, ‘Delicado’, dentre outros

Um estribilho é o suficiente para que as pessoas reconheçam “Brasileirinho”. A contadora de histórias Beatriz Myrrha, mineira e apresentadora do “Projeto Pizindim”, lembra que a composição “ocupa o primeiro lugar no ranking dos choros mais conhecidos do mundo”. Escrito em 1949, cuja primeira parte mantém-se, praticamente, em uma corda, é tido como o primeiro sucesso de Waldir Azevedo.

Se lhe faltava experiência para o inegável feito, a posteridade tratou de garantir ao músico a eternidade devida. Nascido em 27 de janeiro de 1923, completaria, esse ano, um século de vida. Para Beatriz, a principal contribuição do aniversariante foi “ter dado ao cavaquinho o lugar de destaque no choro, pois, até então, ele servia como instrumento de mero acompanhamento”.

Referência. Carioca, Waldir Azevedo é referência para diversos cavaquinhistas mineiros. Entre eles, o homônimo, ao menos em primeiro nome, Waldir Silva. Ele contou ter se inspirado no autor de “Delicado” para escrever uma canção-homenagem. A música chama-se “Uma Saudade”, com o subtítulo “Ao Meu Xará”.

Silva costumava dizer que Azevedo deixou um legado interminável, não somente pelas composições, como por sua execução primorosa. Entre as favoritas do repertório tinha em alta conta as menos conhecidas, como “Você, Carinho e Amor” e “Mágoas de Um Cavaquinho”, demonstrando intimidade com a obra. Em 2013, Waldir Silva morreu, aos 82 anos. Mas deixou sua homenagem.

Clássicos. Ausier Vinicius, cavaquinhista e dono do bar-musical “Pedacinhos do Céu”, no bairro Caiçara, faz coro à tese de que “Waldir Azevedo é o maior de todos os tempos”, em referência ao instrumento utilizado para criar seus maiores clássicos. O próprio nome do estabelecimento é menção a título da obra do compositor. “A música mais emocionante do Waldir, para mim, é ‘Minhas Mãos, Meu Cavaquinho’, que ele dizia agradecer a Deus por tal inspiração”.

A cantora mineira Lígia Jacques, especialista em interpretar choros, ressalta a “riqueza melódica” da obra do cavaquinhista, por “desafiarem o canto em vários aspectos: precisão, destreza, fraseado e afinação”. Na seara que lhe é própria, nomeia Ademilde Fonseca, considerada “A Rainha do Choro”, como quem melhor lhe apresentou as versões cantadas das músicas. “Destaco o choro ‘Cinema Mudo’, letra de Klécius Caldas, como um desafio e ‘prato cheio’ para cantor nenhum colocar defeito”.

Nuances. Impedido de se tornar aviador, em decorrência de problemas cardíacos, Azevedo empregou-se na companhia de energia elétrica do Rio de Janeiro, a Light. Pouco tempo depois, quando passava a “lua de mel” no interior do Estado, em Miguel Pereira, recebeu o telefonema de um amigo, que lhe avisava sobre a abertura de vaga no conjunto regional de Dilermando Reis. Não pensou duas vezes: encurtou o passeio e foi ao encontro da nova profissão. A aposta provou-se certa.

Enfileirou êxitos radiofônicos, percorreu Europa, América e Ásia, foi gravado pelos maiores artistas de seu tempo, como Jacob do Bandolim. Morto em 1980, aos 57 anos, em razão de um aneurisma da aorta abdominal, é reverenciado, ainda hoje, por nomes de gerações seguintes. Baby do Brasil e Dominguinhos o regravaram. Para Waldir Silva, o grande mérito do compositor era não ter sido um exibicionista para ser visto, o que acontece frequentemente entre os mais jovens, mas, sim, para ser ouvido. “Ele entendeu as nuances do cavaquinho como ninguém”, costumava dizer o saudoso Waldir Silva.

“Brasileirinho” (choro, 1949) – Waldir Azevedo e Pereira da Costa

“Brasileirinho” ocupa o primeiro lugar no ranking dos choros mais conhecidos do mundo. Composto em 1949, e cuja primeira parte mantém-se, praticamente, em uma corda, é tido como o primeiro choro de Waldir Azevedo. A música nasceu por sugestão de seu sobrinho de 10 anos. Brincando com um cavaquinho que só tinha uma corda, o garoto pediu-lhe que fizesse uma música que pudesse tocar, nascendo daí, em 1947, a primeira parte do choro.

Contratado pela Continental, Waldir Azevedo estreou com “Brasileirinho”, que rapidamente alcançou um grande sucesso, sendo escolhida para fundo musical da propaganda de diversos candidatos em campanha eleitoral na ocasião. Na esteira do sucesso, Ademilde Fonseca gravou-o em 1950, com letra de Pereira Costa, acompanhada pelo próprio Azevedo. Daí em diante, “Brasileirinho” seria regravado por dezenas de artistas no Brasil, incluindo Baby do Brasil, em 1997.

“Pedacinhos do Céu” (choro, 1951) – Waldir Azevedo

Nascido na Piedade e criado no bairro do Engenho Novo, no Rio de Janeiro, Waldir Azevedo é, até hoje, o maior nome do cavaquinho brasileiro. Apesar disso, ele demorou a se encontrar com o instrumento. Começou tocando flauta e, em seguida, passou para o bandolim, só então assumindo o cavaquinho que o consagraria. Nesse meio tempo, também tocou violão. Mas foi com o inconfundível cavaquinho que ele criou “Pedacinhos do Céu”, uma das músicas mais bonitas do repertório de choro e que batiza um bar em Belo Horizonte.

“Delicado” (choro-baião, 1951) – Waldir Azevedo

Durante uma cena de bar, emerge num filme sobre máfia protagonizado por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, um chorinho com influência de baião, batizado de “Delicado”. Composta, em 1951, por Waldir Azevedo, a música compõe a trilha sonora de “O Irlandês” (2019), filme dirigido por Martin Scorsese. Na versão, a canção recebeu um arranjo para orquestra e reafirmou a tradição musical brasileira de estar presente em produções internacionais. “Delicado” fez enorme sucesso logo que foi lançada. Xará de Waldir Azevedo, o também cavaquinhista mineiro Waldir Silva compôs “Uma Saudade (Ao Meu Xará)” para saudar o ídolo. Em 2015, a música ganhou letra de Raphael Vidigal e André Figueiredo.

“Ave Maria” (hino de louvor, 1859) – Gounod e Bach

Charles Gounod, compositor francês famoso por suas óperas e músicas religiosas, se valeu de um prelúdio composto por Johann Sebastian Bach cerca de 140 anos antes para criar uma das mais famosas peças de adoração e louvor à Ave Maria. De forma indireta, unia-se assim, através da música, um compositor protestante a outro batista. A “Ave Maria” de Bach e Gounod foi publicada pela primeira vez em 1859, em latim, e, ao longo dos anos, foi interpretada por músicos de diferentes segmentos, do popular ao erudito, passando pelo instrumental, como no caso do cavaquinhista Waldir Azevedo. Elba Ramalho, profundamente ligada às celebrações sacras, também a cantou.

“Uma Saudade – Ao Meu Xará” (choro, 1981) – Waldir Silva, Raphael Vidigal e André Figueiredo

Waldir Silva nasceu em Bom Despacho, no dia 28 de maio de 1931, e morreu no dia 1º de setembro de 2013, aos 82 anos. Compositor e mestre do cavaquinho, ele conheceu o primeiro sucesso na década de 1950, quando o então Presidente da República Juscelino Kubitschek elogiou publicamente o choro “Telegrama Musical”, escrito em forma de código Morse, o que o levou a compor a trilha da primeira versão da novela “Pecado Capital”, da Rede Globo. Waldir até chegou a ensaiar uma carreira no Rio de Janeiro, onde conheceu e se tornou parceiro de Zé Ramalho, mas optou por se fixar em Belo Horizonte.

Waldir Silva também ficou conhecido por participar e compor a música-tema do projeto “Minas ao Luar”, que percorria as cidades do interior com um repertório de choro e seresta. Depois de gravar discos instrumentais de choro e bolero, Waldir Silva foi homenageado em 2016, com o disco “Waldir Silva em Letra & Música”, quando suas melodias ganharam letra. “Uma Saudade: Ao Meu Xará” é uma homenagem de Waldir Silva a Waldir Azevedo, outro craque do cavaquinho, que ganhou a interpretação da cantora Natália Sandim, com letra. A música foi originalmente lançada em 1981, pelo cavaquinho de Waldir Silva...