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10 anos: Governo explica por que a Arena de Pernambuco não vingou

Equipamento custa aos cofres do estado de Pernambuco 3,6 milhões todos os meses, entre manutenção e dívidas

Arena Pernambuco, no Recife, receberia um dos jogos das quartas de final

Parecia um mau presságio. Era 22 de maio de 2013 quando a Arena Pernambuco - hoje oficialmente chamada pelo Governo do Estado local como “Arena de Pernambuco” - era inaugurada num jogo festivo. Num esforço que envolveu clube, federação e políticos, o Náutico recebeu naquela noite de quarta-feira o Sporting, de Portugal. O primeiro gol da história do estádio, ironicamente, foi um gol-contra. E do Náutico, que poucos anos depois romperia com a administração do equipamento.

Aquele jogo terminou 1 a 1 num empate que também acenou com a relação do estádio com a população pernambucana, que jamais saiu para valer de um insosso 0 a 0. A Arena pernambucana completa nesta segunda-feira (22) uma década de existência acumulando muitos mais “nãos”, do que “sins”. Subutilizada, com promessas descumpridas, com um expressivo custo mensal de R$ 3,6 milhões aos cofres do Estado e, talvez o pior: uma casa figurativamente sem dono.

Afinal, na prática, ninguém se sente pertencente ao espaço. O Náutico, parceiro inicial com contrato de 30 anos, deixou a casa que chamou de sua por cerca de três anos em 2016 - na mesma altura em que o Governo de Pernambuco rompeu com a construtora Odebrecht e passou a gerir o estádio; Santa Cruz e Sport jogam pontualmente no estádio, que hoje recebe jogos do Retrô (equipe da Série D) e jogos das equipes femininas dos clubes da capital, além de eventos amadores.

Vale lembrar que a sede de Pernambuco para a Copa das Confederações e do Mundo, com capacidade para 45,5 mil torcedores, foi entregue em junho de 2013 e custou R$ 479 milhões (base maio de 2009), tendo 75% da sua construção financiada pelo BNDES.

O estádio, que fica localizado em São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife, está a 19 quilômetros do marco zero do Recife, e jamais conseguiu resolver um problema crônico de mobilidade. A obra de um metrô que deixaria o torcedor no estádio, acabou deixando a população a 1 km da arena. A chamada Cidade da Copa, uma espécie de bairro planejado para o desenvolvimento da região, nunca saiu do papel.

O projeto, apresentada pelo então governador do estado, Eduardo Campos, em 15 de janeiro de 2009, previa entre 2014 e 2025 um investimento de R$ 1,59 bilhão, entre recursos públicos e privados. Ficou só na promessa.

De acordo com o Governo, o custo mensal para a manutenção da Arena é em torno de R$ 650 mil ao governo estadual. Como a receita gira em torno de R$ 200 mil, há um prejuízo aproximado de R$ 400 mil mensais. Além disso, Pernambuco também paga uma dívida de aproximadamente R$ 3 milhões por mês em decorrência do contrato com a Odebrecht - para a construção do equipamento.

O secretário de Turismo e Lazer, pasta responsável pela gestão da Arena de Pernambuco, Daniel Coelho, concedeu entrevista à Itatiaia para falar sobre o legado e os planos do estádio. E responder: por que não aconteceu? O que não deu certo para a Arena não vingar? Vale lembrar que o Governo que hoje gere o equipamento, tendo a governadora Raquel Lyra (PSDB) à frente, é de oposição aos anteriores, do PSB (com Eduardo Campos e Paulo Câmara), à frente na implementação do projeto.

Entrevista com Daniel Coelho

Itatiaia: Sendo direto: por que a Arena de Pernambuco não aconteceu?

Daniel Coelho: A Arena tem erros na sua concepção que são públicos. Não vou agora voltar ao debate de dez anos atrás, mas existem erros na sua concepção. E não existe mágica nem solução fácil para problema impossível ou com essas situações colocadas. A Arena, quando foi concebida, ela veio através de um projeto que era mais amplo de crescimento na Região Oeste da Metropolitana do Recife. Havia todo um projeto de Cidade da Copa do seu entorno, como também foram investidos milhões no metrô para a sua mobilidade. O Metrô foi feito em um projeto que até hoje não se explica, a um quilômetro do estádio, e a Cidade da Copa não foi implementada.

Após a Copa, o projeto foi deixado de lado pelo governo da época. A gente primeiro tem que voltar ao fato para a partir daí mostrar como a gente herda o equipamento. Mas quem construiu a arena dez anos atrás fez um compromisso para que ela fosse paga em 30 anos. Quem construiu não pagou, quem continua a pagar é o povo pernambucano com parcelas altas. Se á problema na viabilidade econômica da arena não é uma questão de gestão, é de concepção. A gente paga parcela de quase R$ 3 milhões ao mês da sua construção, inclusive com decisão judicial. Não é uma opção ter uma arena deficitária, ela foi entregue deficitária e com a sua construção a ser paga.

Itatiaia: E qual solução que a atual gestão do Governo de Pernambuco propõe?

Daniel Coelho:

Nós temos que tentar ampliar a utilização da arena, não só da questão econômica, mas também o impacto social que podemos causar com este equipamento. A ideia de que o equipamento pode ser superavitário num jogo de futebol ela é errada. Isso não vai acontecer.

Não aconteceu em nenhum estádio brasileiro daqueles que vieram da Copa, principalmente os que não pertencem especificamente a um clube e ficam sediando jogos de equipes diversas. O que temos que fazer? Implementar um multiuso. Temos realizados eventos na Arena, não só na nossa gestão. Já fizemos um grande evento em janeiro com a cantora Anitta, foi um evento rentável. Mas quais são os nossos desafios: parceria público privada para a obtenção de patrício e diminuir o gasto do equipamento.

A saída é parceria com patrocínio, em formato naming rights ou outros formatos que nos garantam alguma renda. A gente recebeu a arena com R$ 900 mil de prejuízo mensal, fora o pagamento da dívida da construção. Conseguimos diminuir e estamos chegando a próximo de R$ 600 mil, é substancial diminuir cerca de R$ 300 mil ao mês de custeio do equipamento. Estamos falando por ano de um valor de cerca de R$ 4 milhões. Como também implementar a receita com esses eventos multiusos e atração de mais jogos. A Federação Pernambucana está sendo parceira, mas não podemos obrigar os grandes clubes e jogar lá. Eles têm que ser convencidos, não só dirigentes como torcida.

Itatiaia: Em termos de infraestrutura, muitos torcedores apontaram deteriorização da arena. Como se encontra o equipamento hoje?

Daniel Coelho: Para isso, para atender ao público, temos que requalificar o equipamento. Quando o recebemos em janeiro, ele estava com as cadeiras com muitas delas completamente destruídas, o auditório tinha caído, a iluminação queimada, o painel eletrônico sem funcionar e gramado sem condição de uso. Evidentemente, demos prioridade à recuperação do gramado. Não aumentamos custos, apenas recompactuamos o contrato para fazer tudo isso.

Itatiaia: E como trazer os clubes de volta para o estádio, em especial Náutico, Santa Cruz e Sport?

Daniel Coelho: Além de convencer os clubes a fazer mais partidas, a gestão atual ela priorizará o impacto social do equipamento. Estamos lançando nesta segunda-feira o programa de alto rendimento para os jogos pernambucanos no estádio, teremos a final dos Jogos Escolares como algo simbólico, mas com parceria com as Secretarias de Educação e de Esportes, ela sediará eventos para a prática esportiva de diversos esportes com o intuito competitivo.

A lógica é buscar nas escolas do entorno, porque praticamente todos os equipamentos de competição do Recife estão na região Sul, e essa região Oeste não. Em diálogo com os municípios no entorno da arena, é utilizar o espaço para a prática de vôlei, basquete, atletismo, futebol, futsal, então será feito um pequeno investimento para que tenhamos ali essa prática e tentar dar um impacto social a ela. Até para justificar. Se vamos manter o prédio, vamos usá-lo todo dia.

Itatiaia: Como está sendo tratada a e questão da mobilidade, um eterno gargado da arena?

Daniel Coelho: Nós ficamos com a herança da mobilidade que não temos como resolver que é o metrô que foi feito errado. Mas a BR-232 está tendo a obra concluída com a sua triplicação. Com isso, vamos resolver parcialmente pelo menos para quem chega de ônibus ou carro a chegada na Arena. O estádio não é tão longe, mas com muito trânsito fica longe. Se temos uma saída fácil do Recife, economizamos 30 minutos de viagem e aproveitar esse momento para tentar conquistar o torcedor. Para termos mais jogos na Arena é muito importante que o torcedor se sinta satisfeito.

Itatiaia: O Governo também está doando uma parte do terro da Arena para o Exercíto. Qual o objetivo disso?

Daniel Coelho: A cessão do espaço para o Exército é de uma área lateral, que não causa prejuízo a nenhum dos projetos que estão sendo realizados. É uma decisão que foi tomada no sentido de garantir a Escola de Sargentos e garantir a movimentação e fluxo de pessoas na região, com desenvolvimento comercial e imobiliário. Acaba sendo interessante para a arena também. Não temos prejuízo, só ganho em ter aquele equipamento ao lado da arena. Já que o projeto da Cidade da Copa foi perdido, esse equipamento do Exército ajuda a viabilizar a arena porque vai criar um maior fluxo na região.

Jornalista, natural do Recife, é atualmente correspondente do portal Itatiaia Esporte na região Nordeste. Com mais de uma década de experiência no jornalismo esportivo, tem passagens pela Folha de Pernambuco, Diario de Pernambuco, Superesportes e NE45. Em Portugal, trabalhou por O Jogo e Sport Magazine.