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Biomédica mineira investigada por erros médicos oferta lipo na internet sem ter licença

Lipoaspiração só pode ser realizada por médico autorizado, afirma Conselho de Biomédicos e Sociedade de Cirurgia Plástica; moradora de Divinópolis (MG) morreu durante lipo em maio

Biomédica anuncia procedimento nas redes sociais mesmo sem ter licença para realizá-lo

A biomédica mineira Lorena Fernandes de Faria, investigada pela morte de uma mulher durante uma lipoescultura em Divinópolis, região Centro-Oeste de Minas, no mês de maio, voltou a trabalhar após ser beneficiada com um habeas corpus. Mas, em meio aos anúncios de preenchimento labial e de glúteos, a profissional oferece uma cirurgia que biomédicos não podem fazer e que é semelhante à operação pela qual a vítima, Íris Martins, teria passado.

Em uma publicação no Instagram, onde acumula mais de 110 mil seguidores, a biomédica anuncia a “lipo laser não cirúrgica”. Segundo Lorena, o procedimento não é invasivo, não exige repouso nem risco cirúrgico e conta com tecnologia de ponta. Em outro momento, ela compartilhou um vídeo mostrando parte da cirurgia, argumenta que o procedimento é simples e declara: “Não existe e nunca existiu cirurgia dentro da minha clínica.”

“Eu não faço procedimento sem antes consultar meu paciente. Entendendo queixas , montando um protocolo específico, saber (procuro) se toma medicação contínua, (busco) histórico clínico e familiar. Cirurgia se faz com cirurgião plástico. Esse laser é uma modernidade permitida pelo meu Conselho Regional e Federal. Hoje, a maioria dos pacientes querem resultados rápidos e não querem se submeter a bloco cirúrgico, repouso e etc! [...] Meus resultados são iguais a um cirúrgico, mas sem ser! Por isso causa muita inveja. Mas isso é fruto de estudo e dedicação.”

Em comentários, possíveis clientes demonstram interesse: “qual o valor?”, “eu quero fazer”, “estou tentando falar nesse número há dias e não tenho retorno”. Outros internautas demonstram certo receio: “ainda tenho medo”, “não me arrisco”, “misecórdia”.

Em meio a fotos de cirurgias bem sucedidas, Lorena compartilha mensagens de ex e futuras clientes, além de um parecer do Conselho Regional de Biomedicina da 6ª Região (Paraná) que autoriza o profissional de biomedicina a usar um laser “para usos que não vão de encontro à Lei do Ato Médico”, lei que determina que os médicos são os únicos responsáveis por intervenções cirúrgicas.

Biomédico pode fazer lipoaspiração?

A resposta, segundo várias autoridades da área da Saúde ouvidas pela Itatiaia, é não. O Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região, que representa Minas Gerais e mais quatro estados, informou que os biomédicos podem sim usar laser, mas apenas nas operações autorizadas pelo Conselho Federal. Na lista, não aparece lipoescultura. O conselho foi enfático: “o biomédico esteta não está autorizado a realizar lipoaspiração.”

A informação foi confirmada pelo doutor Vagner Rocha, presidente da regional mineira da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Ele confirma que a lipoaspiração é sim um procedimento invasivo que só pode ser realizado por um médico qualificado, especializado e com, no mínimo, dois anos de experiência em cirurgia geral. Esses critérios são fixados pelo Ato Médico de 2013, citado no parecer divulgado pela biomédica nas redes sociais.

Vagner fala sobre os riscos que envolvem a cirurgia e deixa claro: “é um procedimento que deve ser realizado em um bloco cirúrgico, nunca em um consultório.”

“Esse laser é um procedimento cirúrgico, médico e invasivo sim. Você precisa usar quantidades excessivas de anestésico local, o que pode gerar uma complicação grave, parada cardíaca, crises convulsivas e até parada respiratória. Esse laser é um ‘fogo’, a temperatura pode passar dos 100º C.”

Outro lado

A Itatiaia entrou em contato com a defesa de Lorena Marcondes de Faria e, até o momento, não obteve retorno. O espaço segue aberto para o posicionamento da investigada.

A Polícia Civil informou que o caso ainda é investigado e que não pode dar mais detalhes, pois está em segredo de justiça.

O Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região informou que não comenta processos éticos em andamento. Eles lamentaram a morte de Íris Martins e informaram que a biomédica continua atendendo pois não foi alvo de nenhuma medida cautelar de suspensão do exercício profissional.

A Itatiaia também procurou o Conselho Federal de Medicina, que, até o momento, não retornou nossos questionamentos.

Relembre o caso

Irís Dorotéia do Nascimento Martins, de 46 anos, morreu no dia 8 de maio durante um procedimento estético em uma clínica de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas. A responsável pela operação foi a biomédica Lorena Marcondes de Faria. Íris teria pago R$ 12 mil para realizar a lipoescultura. A vítima sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e precisou ser levada para o Hospital São João de Deus, onde morreu horas depois.

Segundo a Polícia Civil, essa cirurgia só pode ser feita com a presença de um médico e de um anestesiologista. A clínica não possuía equipamentos básicos, como monitor cardíaco, e o laser que seria usado no procedimento não tinha chegado no local no momento em que a cirurgia começou.

A profissional e a enfermeira que a auxiliava nas cirurgias foram presas preventivamente após o caso, mas foram beneficiadas com um habeas corpus e estão em prisão domiciliar. Lorena também é citada em três processos na Justiça por erro médico. Um deles envolve um modelo que teria ficado com a boca deformada após passar um procedimento estético com a mesma profissional em Divinópolis (MG).

Jornalista formado pela UFMG, com passagens pela Rádio UFMG Educativa, R7/Record e Portal Inset/Banco Inter. Colecionador de discos de vinil, apaixonado por livros e muito curioso.