Desde as primeiras discussões até a implementação, a Lei de Cotas Raciais, que completa 10 anos neste mês de agosto, é bombardeada por acusações e fake news. Apesar de ter democratizado o espaço para a população que nunca teve acesso ao ensino superior e a qualidade do ensino não ter caído - fatos comprovados em dezenas de pesquisas que analisaram a evolução da lei na última década -, a medida sofre críticas por não ter garantido melhores condições de vida a todas as famílias mais vulneráveis.
O coordenador do MBL (Movimento Brasil Livre) em Minas, Ivan Gunther, contrário às cotas, afirma que a lei não melhorou a situação das famílias de baixa renda.
“Eu acredito que os 10 anos da lei serviram pra mostrar que o problema não está no momento da entrada na universidade. Nada melhorou. Nada foi realmente resolvido na situação socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda. Não adianta tentar resolver o problema na universidade se esse é um problema que vem da educação básica”, afirma.
Leia também:
Gunther acredita que a lei é dirigida à reserva de vagas raciais. “(A lei) deve ser expandida para cotas sociais voltadas para alunos de baixa renda. Não faz sentido um sujeito que é negro e rico ter acesso a uma cota que um branco e pobre não tem”, aponta.
Outra crítica comum à lei é contrariar a meritocracia no acesso ao ensino superior, fato rebatido pelo pesquisador e professor de Direito da PUC Minas, Marciano Seabra de Godoi.
“É preciso conhecer o Brasil. É meritocracia uma pessoa que mora em uma favela, sem acesso a nada, ter uma nota pior do que uma pessoa da Zona Sul, que tem cinco refeições por dia e todos os recursos?”. Ele destaca a importância para a sociedade que a universidade pública seja plural, que as cotas não atrapalham o ingresso dos brancos e que o STF já decidiu que a lei é constitucional.
“É muito raro que os 11 ministros do Supremo concordem com alguma coisa e, nesse caso, houve uma votação unânime. Todos os ministros concordaram que as cotas trazem pluralidade para as universidades. Isso não está violando a meritocracia. Isso porque continua ocorrendo uma seleção dos que têm as melhores notas. Você não vai encontrar pessoas entrando na universidade pela lei de cotas com notas ruins”, afirma.
Acesso e dignidade
Quem ingressou em uma universidade através do sistema de cotas também tem muito o que dizer sobre um suposto privilégio. Fernando Dias, recém-formado na UFMG, onde ingressou via cotas, relata que, sem ela, não conseguiria entrar no ensino superior. Para Fernando, quem afirma que cota é privilégio não conhece a história do país.
“Na época que eu terminei o ensino médio, o meu pai era motorista de transporte público e minha mãe era babá. Toda a minha educação foi na rede pública. A minha sorte foi ter realizado um curso de redação em matemática gratuito em um cursinho popular ofertado pelo IFMG de Santa Luzia e o meu esforço em estudar em casa com vídeo aulas no YouTube e apostilas usadas”, disse.
Fernando acredita que nenhuma pessoa deveria passar pelo que passou. “Não tem nada de bonito em estudar 10 horas por dia. Ninguém deveria passar por isso. Todo mundo devia ter acesso a uma educação básica de qualidade para entrar no ensino superior. Sem as cotas, a minha vida e da minha família não teria mudado”, completou.
Para ele, quem afirma que cota é privilégio não conhece a história do país.
“As cotas estão aí para amenizar uma dívida histórica que o Brasil tem com a população negra, indígena e, também, para amenizar o fato de que o Brasil oferta o ensino público de péssima qualidade ao ponto de que apenas alunos privilegiados pelo ensino privado e pela cor, pelo poder aquisitivo, acesse o ensino superior, mantendo o poder e ampliando a desigualdade social desse país”, completou.
Série
Na sexta-feira (19), a reportagem sobre os 10 anos da Lei de Cotas traz a mudança de realidade na maior universidade pública de Minas e as discussões sobre o tema no Congresso.