A violência contra a jovem Mariana Ferrer, de 25 anos, que denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em que trabalhava, no Café De La Musique, em Florianópolis (SC), não terminou no dia 15 de novembro de 2018 - há exatos quatro anos. A revitimização e a falta punições às autoridades das instituições continuam.
No dia 3 de novembro do ano passado, o país conheceu detalhes da audiência, divulgada pelo “The Intercept Brasil”, mostrou que o advogado do comerciante André Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilhando Mariana durante a audiência. No julgamento, foram expostas imagens manipuladas da vítima que, na verdade, são fotografias profissionais como modelo e com roupa. Não há o que se falar em “fotografias íntimas”, como foi divulgado pela imprensa. A reportagem da Itatiaia teve acesso às fotos originais.
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“Jamais teria uma filha do nível dela”, foi o que disse a defesa do comerciante André Camargo Aranha. O juiz não evitou o constrangimento. Quando ela chorou, Gastão afirmou: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.
A mãe da jovem critica duramente a atuação das instituições no caso. “Qualquer pessoa imparcial que assistir à audiência na íntegra perceberá claramente que ali houve um conluio de todos contra uma única vítima. Quiseram assassinar a reputação de uma menina que estava trabalhando, de índole ilibada e que estava exercendo sua profissão pois foi contratada como embaixadora”, afirmou a Luciane Aparecida Borges em entrevista à Itatiaia.
Nova lei que protege vítimas de estupro em julgamento
Foi pensando na violência sofrida por ela durante a audiência que foi formulado o Projeto de Lei Mariana Ferrer, que foi aprovado em 24 de novembro. A Lei 14.245 prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos.
“Mariana passou por momentos terríveis durante o julgamento: foi desrespeitada, humilhada e chegou a chorar durante a audiência. Ela era vítima, não acusada. Contudo, os agentes públicos que atuaram no caso – todos homens, à exceção de uma advogada de defesa – reforçaram condutas machistas que levaram à jovem a sofrer duplamente: pelo próprio fato, em si, e durante o processo”, afirma a autora da lei, a deputada Lídice da Mata.
A deputada é enfática sobre o objetivo do texto: buscar punição dos agentes públicos que não souberam conduzir as audiências e julgamentos com respeito à vítima.
“A justiça deve ser local de acolhimento para a mulher, e não de tortura psicológica. A vítima precisa se sentir segura para buscar ajuda das autoridades. Casos como o de Mariana desestimulam outras mulheres a denunciar. A partir desta lei, toda a sociedade se adapta para cumprir a nova regra. Agora, é preciso garantir a efetiva implantação”, explicou a parlamentar.
Para Luciane, a lei Mariana Ferrer é, sem dúvida, um trunfo em meio a tanta dor na vida da filha. “Foi uma união de pessoas de vários partidos e diferentes pensamentos, mas com um só propósito: criar a lei para coibir os crimes cometidos naquela audiência. Não serviu para ela, mas serviu para inúmeras vítimas que também eram torturadas, intimidadas em audiências”, disse.
Reclamação no Conselho do MP
Os crimes cometidos durante a audiência, que inspiraram a criação da lei, continuam sem resposta. Em 2020, chegou a tramitar na Corregedoria Nacional, vinculada ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), uma Reclamação Disciplinar para apurar a atuação do promotor Thiago Carriço de Oliveira.
A Reclamação Disciplinar foi instaurada a partir da representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A reportagem entrou em contato com o CNMP, que informou que “o processo está sob sigilo’’.
Sem respostas
A reportagem entrou em contato com o MPSC, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. A Itatiaia também tentou contato com a Ordem dos Advogados do Brasil Santa Catarina (OAB/SC) para questionar sobre a condição do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho após a audiência. Mas, sem sucesso. O espaço está aberto caso Thiago Carriço de Oliveira e Cláudio Gastão queiram se manifestar.