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Pecuária leiteira desafia produtores a se reinventarem; diz pesquisador

Cadeia do leite passa por profundas transformações reforçando tendências como concentração da produção, aumento do uso de tecnologias e benefícios do cooperativismo como as compras coletivas

Os desafios que Minas e o Brasil enfrentam na produção de leite estão em consonância com a mudança da produção do leite no mundo

Hoje é o Dia Mundial do Leite, data oportuna para refletirmos para onde caminha nossa pecuária leiteira que passa por profundas transformações. Minas é o estado que mais produz leite em todo território nacional. Os pequenos produtores são os responsáveis pelo maior volume de produção. Mas isso está mudando em função de exigências do mercado. A captação do produto no país caiu; os produtores têm que lidar com a concorrência do leite em pó importado, as exigências tecnológicas, a concorrência com os grandes produtores e os baixos preços pagos pelos laticínios que também se veem pressionados pelos altos custos de produção. Muitos produtores de leite simplesmente estão deixando a atividade leiteira por outras mais rentáveis e menos trabalhosas. Saiba que alternativas os pecuaristas de menor porte têm tem para se reinventar e sobreviver na atividade.

Conversamos com o engenheiro agrônomo e pesquisador em economia da Embrapa Gado de Leite, com sede em Juiz de Fora, Samuel Oliveira. Confira algumas dicas dadas por ele:

A quantas anda o mercado de leite em nosso estado? Por qual momento estamos passando?

Pra gente entender o que está acontecendo com a pecuária leiteira em Minas Gerais, o maior estado produtor do Brasil, temos que voltar um pouco em nosso passado recente. Enfrentamos uma pandemia e ainda estamos lidando com as consequências da Guerra da Ucrânia. Esses dois fatos desorganizaram as cadeias produtivas, ocasionaram uma grande variação nos preços dos insumos e aumentaram os custos de produção.

Com a renda limitada das pessoas, no período pós-pandemia, não houve espaço para repasse de preço inicialmente. Isso levou a uma queda na produção em 2021 e 2022 no Brasil e em Minas. A partir do segundo semestre do ano passado, começou a faltar leite e o preço, claro, na esteira da infalível lei da oferta e da procura, subiu, tanto no atacado, quanto no varejo. Houve um momento em que o custo do leite e de outros produtos lácteos aumentou mais de 30% em um ano, sendo que a inflação estava na casa dos 10%.

Mais recentemente, nos últimos meses, o custo de produção voltou a cair. E isso está levando a um ambiente favorável ao aumento de produção. Só que isso ainda não aconteceu de maneira significativa porque estamos na entressafra, quer dizer, no período da seca, em que a produção, inevitavelmente, diminui. A consequência é que estamos tendo que importar leite em pó, principalmente da Argentina.

Num contexto mais geral, qual é a tendência do mercado do leite? Para onde estamos caminhando?

Os desafios que Minas e o Brasil enfrentam na produção de leite estão em consonância com a mudança da produção do leite no mundo. Nesse contexto globalizado, o leite se viabiliza quando é produzido em maior escala. Isso já aconteceu na Argentina, nos Estados Unidos e começa a acontecer aqui também. Tanto que a contribuição dos produtores de leite, de Minas Gerais, que produzem mais de mil litros por dia no total da produção estadual tem crescido ano após ano. Acreditamos que caminhamos para isso: no futuro, as grandes fazendas serão as principais fornecedoras das indústrias. Hoje predomina a produção pulverizada em pequenas propriedades. Mas, isso está mudando e, em breve, teremos uma outra fotografia. A gente prevê que, infelizmente, muitos produtores terão que deixar a atividade quando não tiverem mais escala de produção.

Por enquanto, os pequenos produtores ainda são maioria em Minas?

Sim, os pequenos produtores são responsáveis pela maior parcela de produção de leite em Minas. Mas, como eu disse, isso está mudando muito rapidamente. E é possível que num futuro próximo já não sejam eles mais os responsáveis pelo maior volume de leite. Hoje eles são o maior número, mas a quantidade que produzem já está quase empatando com a quantidade produzida pelos poucos e grandes produtores. A tendência é a produção se concentrar em menos fazendas e fazendas maiores.

Que conselhos você daria aos pequenos produtores?

É importante adotar novas tecnologias para aumentar a produção por animal e a produtividade leiteira da fazenda como um todo. Só assim será possível ser mais competitivo porque o futuro da produção leiteira passa, necessariamente, por uma maior escala de produção.

A segunda solução é atender nichos do mercado como, por exemplo, o pessoal que trabalha com queijo artesanal, da Serra da Canastra, do Serro…São queijos famosos que agregam valor ao leite. Assim, mesmo em menor escala, o produtor consegue viabilizar seu negócio.Outro exemplo é o investimento na produção orgânica, que também agrega valor ao leite.

De qualquer forma, os principais desafios para o pequeno produtor são: gestão da propriedade, busca por inovação tecnológica e o uso de novas tecnologias para que o negócio tenha sustentabilidade e permaneça.

A remuneração que se impõe aos produtores de leite é justa?

O problema do pequeno, daquele que produz em menor escala, é que o pagamento pelo leite é feito em função de diversos fatores, um deles é a quantidade de leite a ser entregue. Por exemplo, um produtor que entrega cem litros de leite por dia, vai receber menos por litro de leite do que o que entrega 1000 porque a coleta é mais fácil, num só local. A indústria acaba pagando mais.

Iniciativas, como o Conseleite, são bem-vindas, no que se refere à formação de preços?

O Conseleite é uma iniciativa muito interessante da cadeia produtiva do leite. Envolve técnicos, produtores, representantes da indústria e outros envolvidos na cadeia. As sugestões de preços que surgem a partir do entendimento desse conselho paritário dão um pouco mais de previsibilidade ao preço do leite. Acreditamos que seja interessante essa iniciativa, a gente acredita que ela é saudável.

Algumas regiões podem ser mais propícias ao aumento da produção do que outras?

Sim, essa é outra tendência: a concentração da produção em determinadas regiões. Em Minas, a principal região produtora sempre foi a Zona da Mata. Mas, nos últimos tempos, a produção está se deslocando para o sul de Minas e, principalmente, para o Triângulo e Alto Paranaíba. Porquê? Geralmente as cadeias produtivas mais avançadas se concentram onde encontram toda a rede de fornecedores de insumos, de compradores, de pessoas que dão assistência técnica e prestam serviços.

Portanto, todas as regiões que produzem leite em Minas, tirando essas que citei e que estão mais dinâmicas, podem ter o seu futuro ameaçado se não intensificarem a produção, aumentarem a escala e, principalmente, aumentarem a produtividade de seus rebanhos.

O que mais podemos pontuar?

Não podemos deixar de lembrar a questão das exigências ambientais crescentes nas atividades agrícolas. Há uma preocupação com a destinação dos resíduos e também com o bem estar dos animais. A sociedade quer saber se você trata bem seus animais. Se você é produtor e não se preocupa com essa questão, isso é preocupante.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.