Temperatura, pressão e atrito: as variáveis ocultas que definem a segurança do freio

Pesquisa sobre sistemas de freio a disco revela que pneumáticos operam com pressões até três vezes superiores às de sistemas hidráulicos e que o controle da distribuição térmica em discos ventilados é decisivo para evitar fade, perda de torque e falhas em veículos de produção

O freio como variável de projeto: por que o sistema completo importa tanto quanto a pastilha

A avaliação de desempenho dos sistemas de freio é hoje uma etapa tão estratégica quanto o próprio desenho do motor na indústria automobilística. Em um cenário de carros mais pesados, velozes e submetidos a ciclos severos de uso, entender como o freio reage em diferentes condições de pressão, temperatura e velocidade deixou de ser mero requisito técnico para se tornar condição de segurança, competitividade e viabilidade econômica na produção.

Freio como coração silencioso da segurança

A pesquisa “Variáveis de desempenho dos sistemas de freio”, produzida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo pesquisador Maurício Blanco Infantini, mostra que, à medida que os automóveis aumentaram de peso e potência desde o lançamento do Ford T, a energia cinética a ser dissipada na frenagem cresceu em até dez vezes nos modelos atuais, podendo chegar a 80 vezes em veículos esportivos. Todo esse excedente de energia precisa ser convertido em calor com controle fino, sob pena de superaquecimento, perda de eficiência (fade) e acidentes.

Nesse contexto, a avaliação de desempenho deixa de ser um check-list para homologação e se torna um estudo aprofundado das variáveis que governam atrito e desgaste: velocidade de escorregamento, pressão de contato, temperatura, umidade e próprias características do sistema de freio (rigidez, folgas, geometria). Entender a interação entre essas variáveis é o que permite projetar sistemas que freiam com consistência, em pista seca ou molhada, a baixa ou alta velocidade, em uso urbano ou em descida de serra.

Do laboratório à linha de produção

O trabalho mostra como a indústria migrou de ensaios simples para plataformas sofisticadas de teste, com destaque para dinamômetros inerciais que replicam, em bancada, as condições de um veículo real. Ensaios em dinamômetros usam o sistema de freio completo, com discos de inércia para simular a massa veicular, e permitem reproduzir sequências de frenagens que imitam procedimentos de pista, com controle de velocidade, pressão, energia por área e perfis de aquecimento.

Infantini descreve como a parceria com a Fras-le levou ao desenvolvimento de um conceito de dinamômetro em escala reduzida (Fras-le Scale Dynamometer), capaz de testar materiais de atrito em condições comparáveis às de sistemas reais, mas com menor custo e tempo. A lógica é clara para a indústria: quanto mais cedo for possível avaliar coeficiente de atrito, desgaste e comportamento térmico de um material, menor o risco de retrabalho em projeto e de falhas emergirem já com o veículo em produção.

Variáveis que definem o desempenho

A pesquisa identifica quatro variáveis principais que atuam sobre o desempenho: velocidade de escorregamento, pressão de contato, temperatura e umidade relativa do ar, às quais se soma o próprio “sistema de freio” como variável de projeto. A velocidade de escorregamento entre pastilha e disco, por exemplo, mostrou-se semelhante em grupos de veículos leves, SUVs e veículos com freios pneumáticos, dentro da faixa de 5 a 180 km/h das normas, indicando que, isoladamente, essa variável tem influência relativamente pequena no atrito quando mantida em faixas típicas de uso.

Já a pressão de contato se revelou decisiva: sistemas pneumáticos operam com pressões até três vezes maiores que sistemas hidráulicos, afetando diretamente o coeficiente de atrito e os níveis de temperatura atingidos. Os ensaios indicaram redução do coeficiente de atrito com o aumento da pressão e também com o aumento da velocidade ou da temperatura, comportamento considerado típico de materiais de fricção automotivos, o que reforça a necessidade de mapear cuidadosamente esses efeitos antes da produção em escala.

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Um dos achados centrais do trabalho é tratar o próprio sistema de freio (sua rigidez, folgas e geometria) como variável de desempenho, e não apenas como “meio” em que o material atua. Diferenças de distribuição de pressão entre pastilhas, causadas por deformações do caliper ou pelo aumento de folgas no pistão ao longo do uso, impactam torque de frenagem, desgaste e temperaturas, e surgem como fonte de variação entre sistemas que, em teoria, deveriam se comportar de forma semelhante.

Para a produção industrial de automóveis, isso significa que a avaliação de desempenho precisa considerar o sistema completo e seu envelhecimento, não apenas a pastilha isolada. Ensaios bem desenhados permitem que o fabricante antecipe como as tolerâncias de fabricação, o tipo de pinça (fixa ou flutuante), o desenho do disco (sólido ou ventilado) e o regime de uso no mundo real vão afetar a entrega de frenagem ao longo da vida útil do veículo, uma informação valiosa para decisões de engenharia, de compras e de garantia.

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Amanda Alves é graduada, especialista e mestre em artes visuais pela UEMG e atua como consultora na área. Atualmente, cursa Jornalismo e escreve sobre Cultura e Indústria no portal da Itatiaia. Apaixonada por cultura pop, fotografia e cinema, Amanda é mãe do Joaquim.

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