A Redes Sociais, na busca pelo engajamento, produziram mudanças significativas na forma como nos relacionamos com o mundo. A amizade passou a se reduzir a contatos. A beleza foi substituído pela escracho. O direito a opinião virou salvo conduto para ofensa. No universo digital, confundimos views com atenção. Passamos a editar nossa própria existência em tempo real. E talvez o pior de tudo: a abertura ao contraditório passou a soar posicionamento.
A máxima - mais ou menos apócrifo -, de Voltaire (ironicamente citado por um padre, “posso não concordar com nenhuma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las” está desidratada. Fala-se muito do lugar de fala, mas as Redes Sociais nos sequestraram o lugar de escuta! No digital, quase ninguém quer saber da escuta, só reage e vocifera. Nas redes sociais falta espaço para contraponto. O que vale quase sempre é o que confirma e legitima as próprias visões de mundo. Antes que compreender se adjetiva!
Observe como temos uma maneira de identifica as pessoas com as suas opiniões. Ou pior: como tendemos, hoje, a reduzir indivíduos às “percepções” sobre sua personalidade, seus equívocos, suas orientações...
Hoje, criticando do padre ao jornalista, tem muita gente que identifica senso crítico com apenas aquilo que afaga o próprio ego. Na ilusão do monopólio das virtudes, muitos têm a profunda convicção de que não há possibilidade razoável de vida de percepção das coisa fora da própria bolha (seja ela religiosa, ideológica, política etc.).
E isso faz muito mal!
Faz mal, porque não há possibilidade de relacionamento sem que a gente se permita errar. Não é possível sustentar uma amizade ou casamento sem saber que: o outro tem direito a uma versão melhor de si mesmo, que ele não precisa ser refém daquilo que um dia disse, que o todo é maior do que a parte.
Faz mal para a fé, na medida em que, quando se pressupõe que todas as pessoas são obrigadas a crer do mesmo modo, perverte-se o mais genuíno e sagrado dos princípios do agir humano: o livre-arbítrio. Se o próprio Deus - onipotente - deixa espaço para opção e para dúvida, como é possível que alguém ou alguma crença se julgue detentora dos juízos divinos?
E na política? Ah, a política... Faz muito mal confundir espectro político com “moral”. Não é que a política seja imoral! A questão é que nem a “esquerda” ou a “direita” são a correspondência exata do que significa o “bem”. O Bem, não se identifica com o que se pretende totalizante ou Supremo. Não é o fato de uma pessoa defender boas ideias que faz dela alguém virtuoso ou santo.
O campo da moral versa sobre valores que estabelecidos, princípios doutrinários e eternos ao absoluto. A política, em sentido diverso - sem prescindir da meta que é o Bem - , trata do incentivo ao consenso e da civilização do dissenso. A política, sem deixar de guiar-se pelo que é bom, belo e verdadeiro, versa sobre o instrumental, o útil, o estratégico. Ela está menos preocupada com o convencimento e o ideal e mais com o consenso mínimo sobre o que faz bem e o que garante o necessário para todos.
Há de se demarcar bem essa diferença. É uma questão de saúde mental. Do contrário, casamentos acabam em nome de “razões” e de interesses particulares; a “crença” se torna uma justificativa para massacres e cruzadas; o espectro político assume o lugar de instrumento redentor dos males da humanidade...
A história já mostra, que nada pode ser mais violento do que um cônjuge que sempre tem razão; nada é mais danoso do que confundir o estandarte da cruz com brasões de armas; e, agora já há exemplos claros do quão catastróficos pode ser os danos a um país de analfabetos funcionais no âmbito digital, os quais emitem opinião e juízos travestidos de autos de fé e processuais!
E sabe o pior é mais preocupante? É que essa asneira toda inflama e engaja...