A justiça não é um alvo fácil de acertar. Os clássicos a definem com uma das quatro virtudes cardeais: prudência, temperança, fortaleza e justiça. Isso porque elas são eixos, dobradiças (cardos, do latim), em torno dos quais articula a vida. Em última instância, a operação da justiça é importante e necessária para que nenhum de nós seja vítima nem de si, nem perseguido pelos outros...
Uma das grandes noções que se desvaneceu, nestes tempos em que o que parecia sólido se desfez no ar, é a do que é “justo”. A justiça é algo mais do que ressentimento, perseguição, vingança! Quando somos ressentidos, como nos lembram os orientais, tomamos veneno, na ilusão de que o outro morra. Se partimos numa jornada pura em simples em busca da apreensão, a primeira providência é abrir duas covas. A vingança, por si só, não traz a justiça. Nenhum de nós é a identificação absoluta e perfeita do que é o “justo”.
Aliás, lembra-nos Pascal, que geralmente, o que julgamos ser justiça, pode ser mais parcial do que se imagina. O Filósofo assevera, com lúcida ironia: “divertida justiça essa que o rio limita. Verdade aquém dos Pirineus, erro além”. Podemos aludir ainda ao Papa Bento XVI que, em chave cristã, afirma que a justiça por si só não é suficiente, isso dado que: “justiça é dar ao outro o que lhe pertence. Amor é dar ao outro o que é meu”.
Que diremos, então? Que os limites impostos a justiça o risco de seu abuso lhe deslegitimam o uso? Mas claro que não! Se como lembra Hamlet, é certo que o preço do crime compra o juiz, é também certo, que a justiça existe para proteger o “terceiro”.
O fim a que se destina a justiça não é alimentar ódio e ressentimento! Há momentos em que a ação justiça não restitui de volta o que se perdeu! Não devemos ser justos para proteger nossos próprios interesses, ou os de nosso gueto, seita ou família. Nos termos do que postula Levinás, em sua filosofia: a ética (poderíamos dizer, a justiça enquanto meio para sermos éticos) existe para proteger o “outro”, para impedir que ocorra de novo e com mais uma vítima os mesmos erros, faltas, crimes.
Devemos ser justos, das pequenas às grandes ações, diante de todos ou nos “atos sem testemunha”. Isso para além da relação “eu-tu”. É preciso que haja justiça em nome da coletividade, da sociedade, dos muitos outros...
É claro que operação justiça, seja ela na “síndrome do pequeno juiz”, de que sofremos todos nós, ou mesmo nos Ministros do Supremo, tem seus limites... A nêmesis (figura clássica que representa a justiça), traz nas mãos a balança e a espadas e tem os olhos vendados... A lição que se tira disso é que tendemos sempre a ter suspeita sobre o que nos parece justo. Sobretudo se isso nos contraria! Essa alegoria da nêmesis ensina que nem sempre é preciso ver para poder bem enxergar. Os justos é os sábios não se guiam pelas aparências, mas são regidos pela percepção, pela sensatez, pelo conhecimento das causas...
Só Deus, Aquele que está acima de todos, mas também no meio de todos (Ef 4,6) é o Onipresente, Onisciente, o Onipotente. Nenhum de nós é, por, “antonomásia” uma expressão do próprio Ser-Justo, do divino na Terra. Mas sim, convém, que mesmo com seus limites, para o bem de todos nós e do terceiro, que se tenhamos o compromisso com a operação da justiça, que busquemos agir conforma a justiça!
Mesmo com limites, o humanismo (no mínimo), pede que, entre nós, se procure o que é justo! Não por ressentimento, vingança, perseguição. Não! A justiça não é um cálice de ódio que se deve beber! Ela é a garantia de que há poderes que, não obstante sua imperfeição: precisam ser posteriores, exteriores, supremos. Isso no sentido de que agem após, de que não podem se deixar levar pela dinâmica e inconstância das deliberações e dos afetos, bem como que devem ser um último apelo para decisões.
Essa é a fórmula mais perfeita? Claro que não! É a pior, excetuando todas as outras... A questão é que coisa diferente disso, por mais liberdade que prometa, termina sempre em corrupção, morte, nepotismo, barbárie. A “falsa” alternativa termina sempre por nos colocar mais distante de “anjos” e mais próximo do “inferno”...