A gente já nasce querendo transbordar. A própria fala, esse privilégio negado aos outros seres criados, dá testemunho de que a gente nasceu para morar em outras almas... Não é assim que uma canção nos invade, que uma poesia nos traduz? É por isso que é tão gostoso uma bate-papo. O fato, em si, só é bom de verdade se a gente tiver alguém para contar.
Um dos momentos em que a gente mais transborda é quanto está apaixonado. Como é boa essa sensação de não caber em si. Na paixão são dois loucos falando si, sendo quem são (no avesso e no verso), tendo tempo, achando pretexto para se escutar...
Estamos na semana da celebração do amor romântico. Por todo lado, faremos o pacto de tomar do amor apenas a idealização, o encanto, o romance... distraídos, todavia, de que o namoro também faz ranger os dentes.
Sim, é isso mesmo e não é só com você. Todo namoro atravessa e termina em drama. A paixão que arrasta e seduz, o encanto que faz cair o céu não sustenta! Junto do outro vem o combo: cansaço, cunhado, boleto... Seja bom ou ruim, todo namoro tem que terminar. Termina por “tragédia” ou no altar.
Às vezes fico com a impressão de que um dos grandes desafios do nosso tempo é que o namoro é mal aproveitado. Fala-se sobre tudo, faz-se de tudo, posta-se tudo, mas vão-se dois “desconhecidos”, vivendo de egoísmos escoltados.
Namoro é tempo de aprender a ser de si. Não é para imaturos! A criança, por mais bela e intensa que seja, não é de si, mas é dos próprios desejos e das suas instabilidades. É na vida adulta que a gente aprende que pirraça não produz resultados, que tem coisa que parece boa, mas não é para agora...
O namoro, em sendo um tempo de estar com “o outro”, é momento de a gente ver se realmente aprendeu a ser de si. E é batata: quem se dá sem ser de si está fadado a se buscar nos outros. Por isso que eu digo: antes de ser dois é preciso saber o que significa ser um.
Eu desconfio que há uma sabedoria oculta por detrás do mandamento de amar o próximo como a si mesmo (Mt 22,39). É precisamente aqui que a maioria de nós se perde. Alguns só são capazes de olhar para si e para as próprias exigências. Assim o relacionamento vira um inferno de expectativas frustradas... Por um tempo, como lembra Laertes à sua irmã Ofélia, em Hamlet: quando o sangue ferve na alma, o coração empresta facilmente juramentos para língua... O difícil depois é sustentar.
O mandamento de amar o próximo como a si possui uma sabedoria implícita: tem que ter um “a si”, isto é, um conhecimento de si, um domínio de si, um encontro consigo para que a aventura em direção ao outro, que é um espelho de mim, em tendo seus dramas, não termine em tragédia...
O namoro é paixão, loucura e que bom... Nietzsche já diz que há sempre um quê de razão na loucura, há sempre um quê de loucura no amor. Todavia, essa paixão que seduz um casal, com o passar do tempo, não os sustentará. Não é que a gente tenha que deixar de ter encanto, brilho nos olhos, alegria de estar junto. Não, não! É que um namoro só é bem-sucedido quando acaba em algo maior do que ele...
Se a paixão é efervescência, expectativa, planos, doença, loucura, o amor verdadeiro é obediência diária, cotidiano, estratégia, cura, paz. E como lembravam os latinos, “se vis pacem, para bellum”, se queres paz, prepara-te para guerra...
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