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IAPI: patrimônio da habitação popular em Belo Horizonte

Inspirado por experiências internacionais e pela política habitacional do Estado Novo, o projeto do IAPI previa um bairro moderno, verticalizado, com equipamentos públicos e unidades habitacionais para trabalhadores formalizados

Conjunto IAPI, em Belo Horizonte

Entre os anos 1940 e 1950, o Brasil viveu uma onda de projetos que buscavam modernizar as cidades, integrar trabalhadores à vida urbana e criar símbolos do progresso nacional. Em Belo Horizonte, essa modernização ganhou forma concreta com o conjunto habitacional do IAPI, sigla para Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. Pensado como solução para a crescente crise habitacional da capital mineira, o projeto foi lançado em 1947, ainda sob a influência da gestão de Juscelino Kubitschek na prefeitura. A inauguração, porém, foi adiada por razões políticas. A cerimônia oficial ocorreu apenas em 1948, quando os blocos já estavam prontos.

Na época, as favelas se multiplicavam nos arredores do centro e a população operária crescia rapidamente sem infraestrutura adequada. Inspirado por experiências internacionais e pela política habitacional do Estado Novo, o projeto do IAPI previa um bairro moderno, verticalizado, com equipamentos públicos e unidades habitacionais para trabalhadores formalizados. Foi o primeiro bairro vertical do Brasil. A localização não foi aleatória: o conjunto foi erguido na Lagoinha, região que servia de elo entre o centro e a nova cidade da Pampulha, simbolizando o esforço de manter os trabalhadores dentro da cidade, próximos ao transporte, ao comércio e ao emprego.

Assinado pelo engenheiro White Lírio Martins, o projeto previa nove blocos residenciais, áreas verdes, escola, igreja, comércio e espaços de convivência. Cada prédio tinha de cinco a oito andares, sem elevadores, mas com passarelas que interligavam os andares e os edifícios entre si. A proposta previa apartamentos com um, dois ou três quartos, num modelo que antecipava o urbanismo moderno e a vida coletiva. As passarelas não só resolviam a mobilidade nos blocos. Criavam laços de vizinhança, uma circulação ativa, viva, entre as casas suspensas no ar.

Com a entrega das unidades, o Brasil via nascer seu primeiro grande projeto de habitação popular verticalizada. A promessa de realocar moradores da antiga Pedreira Prado Lopes, removida para a construção, não foi cumprida como se esperava. Os apartamentos foram majoritariamente destinados a contribuintes do IAPI e funcionários públicos. Ainda assim, o conjunto se consolidou como um marco urbano. A Igreja de São Cristóvão, ainda hoje presente, reforçou a identidade local, tornando-se referência simbólica para os moradores. A vida no IAPI logo ganhou identidade própria. Crianças brincando nas praças, festas de quermesse, padarias, escola, um bairro inteiro dentro do bairro. A sociabilidade entre os moradores se desenvolveu em torno da rotina compartilhada.

Ao longo das décadas, o conjunto passou por diversas transformações. Muitas varandas foram fechadas, novos moradores chegaram, e parte da vitalidade do bairro foi ameaçada com a construção do Complexo Viário da Lagoinha, que isolou a região do centro. Ainda assim, o IAPI sobreviveu. Manteve-se íntegro em sua essência, protegido tanto pela força simbólica que exerce quanto pela persistência de seus moradores. Em 2007, foi tombado como patrimônio cultural de Belo Horizonte, o que garantiu sua preservação arquitetônica e estimulou reformas. A pintura dos blocos foi restaurada, os jardins receberam manutenção e a imagem do conjunto voltou a ocupar um lugar de destaque na paisagem da cidade. O tombamento garantiu isenção de IPTU, embora também tenha imposto limites à descaracterização das fachadas, o que ajudou a preservar sua aparência original.

Hoje, o IAPI abriga mais de cinco mil pessoas. Os apartamentos, antes desvalorizados, passaram a ser disputados por jovens em busca de localização central e custo acessível. A convivência intergeracional entre moradores antigos e novos cria um ambiente singular, onde o passado e o presente se entrelaçam. O vereador Gabriel Azevedo, ao visitar o conjunto, reforçou que o IAPI faz parte da cara da cidade. Suas fachadas geométricas, suas passarelas de concreto, suas árvores plantadas ainda no governo JK, tudo isso conta uma história que não cabe em livros, mas se vê nas calçadas.

A história do IAPI é também a história das políticas públicas de habitação no Brasil. Antecipou modelos de urbanismo integrador, propôs dignidade onde havia precariedade e criou um bairro popular sem relegá-lo à periferia. Seu legado não está apenas no concreto, está na demonstração de que o Estado pode produzir moradia de qualidade, no centro da cidade, com beleza, urbanismo e compromisso social. O IAPI é um lembrete de que construir cidades justas exige mais do que planejamento técnico. Exige projeto de país.

Gabriel Sousa Marques de Azevedo é advogado, empresário, jornalista, professor, publicitário, pós-graduado em competitividade global pela Georgetown University e Mestre em Cidades pela London School Of Economics.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.