O processo de transformação dos clubes brasileiros em empresas, via a Lei das SAFs, tem provocado sensações diferentes no torcedor, dividido entre a paixão, que sempre marcou a relação com a equipe do coração, e a razão, ponto principal que precisa ser considerado quando quem administra tem como objetivo principal salvar instituições falidas.
E a revelação sobre jogar na Arena MRV feita pelo CEO do Cruzeiro, Gabriel Lima, na entrevista ao CNN Esportes S/A, na noite do último domingo, entra justamente neste limite.
O primeiro ponto que precisa ser destacado, e que é o principal na fala do dirigente, é o discurso de que a rivalidade precisa ficar restrita ao campo.
Para o torcedor isso pode ser difícil, mas é fundamental, principalmente em estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, onde as duas forças juntas são mais fortes. E isso seria importante nesse processo de criação de ligas no futebol brasileiro, assunto também tratado pelo CEO celeste.
Num momento de entrada das SAFs, o torcedor precisa saber que as montadoras de veículos trabalham em conjunto. Assim como os bancos, isso só para citar exemplos.
Mas montadoras e bancos são empresas. Os clubes, com a SAF, também passaram a ser. Os donos são investidores. Têm uma série de obrigações históricas com a instituição, mas a obrigação principal é recuperar.
Na mesma entrevista, o dirigente revelou ser quase um milagre o Cruzeiro ainda estar em ação. E ela é na Série A do Campeonato Brasileiro.
Quando falou de jogar na Arena MRV, na mesma entrevista em que revela ter um acordo próximo de três anos com o Mineirão, casa cruzeirense há quase seis décadas, Gabriel Lima faz na verdade é uma pressão sobre os gestores do Gigante da Pampulha.
Dentro do mundo dos negócios, e SAF é negócio, não deixa de ser uma estratégia, e essa é minha leitura sem a paixão que move o torcedor.
É mais do que compreensível a revolta do cruzeirense. Machucado por dirigentes que usaram o clube por décadas, politicamente, pessoalmente, financeiramente, vive em 2023 a volta à elite após três duros anos na Segunda Divisão nacional, algo que nenhum dos chamados grandes do Brasil viveu.
O interessante é que esse martírio da Série B acabou para o cruzeirense justamente quando a SAF entrou no clube. Antes, a briga contra o rebaixamento para a Série C.
Em Minas Gerais, há mais de sete décadas, não é comum um clube jogar no estádio do rival. O torcedor atual foi moldado com uma rivalidade que não incluía estádio, pois o Mineirão era a casa de ambos.
E com certeza seguirá sendo a casa celeste. Gabriel Lima, e tenho absoluta certeza disso, não está pensando de fato em jogar na Arena MRV. Ele deu o recado claro de que a rivalidade precisa estar restrita a dentro de campo, sem prejudicar quando for hora de ganhar dinheiro juntos, e além disso mostrou que Belo Horizonte tem Independência, Arena MRV e que não é só o Cruzeiro que depende do Mineirão.