Ouvindo...

SOCIEDADE REBORN? Quando a Inteligência Artificial transforma as relações

Os reborns são, na verdade, símbolos. Representam vazios, ausências, feridas que muitas vezes nem sabemos nomear

Nas últimas semanas fomos surpreendidos por uma onda curiosa: casos de bebês reborn tentando ocupar espaços em órgãos públicos, creches e até hospitais.

Reconheço a importância desses bonecos em contextos terapêuticos — especialmente no cuidado de idosos com Alzheimer, no enfrentamento de lutos, perdas e carências afetivas. Por um tempo, eles podem ser uma ferramenta poderosa de acolhimento. E não tenho a intenção de julgar quem precisa desse suporte.

Leia também

O que me chama atenção é o retrato de uma sociedade que, por vezes, parece preferir relações com aquilo que não fala, não anda, não discorda, não sente. Um mundo onde há quem opte por filhos(as) reborn, parceiros(as) reborn, amigos(as) reborn. Bonecos que não oferecem resistência, não confrontam, não trazem o desconforto — e nem o aprendizado — que as relações humanas carregam.

Porque, convenhamos, conviver com humanos é desafiador.

Humanos têm humor instável. Têm dias ruins. Discordam. Falam coisas que machucam. Cobram. Exigem presença. Precisam ser olhados, acolhidos, ouvidos. E tudo isso dá trabalho.

E somos, sim, uma sociedade que ainda carrega um enorme analfabetismo emocional. Mal sabemos nomear nossas próprias emoções — quem dirá validar e acolher as dos outros. Por isso, a relação com um boneco parece mais fácil. Aqui não tem conflito, choros, tristezas, frustrações, desentendimentos.

Os reborns são, na verdade, símbolos. Representam vazios, ausências, feridas que muitas vezes nem sabemos nomear. Chegam como uma tentativa de preencher lacunas de afeto que os relacionamentos humanos às vezes oferecem.

Mas é preciso entender: isso não é real.
A realidade está nas pessoas como elas são — imperfeitas, inquietas, ansiosas, apressadas, cheias de falhas e de histórias. E é justamente aí que mora a beleza da vida. Nos desafios, nos atritos, nas trocas, no crescimento que só os encontros humanos proporcionam.

O problema é que estamos tão imersos nas telas, tão conectados virtualmente, que parece não sobrar espaço para os desentendimentos, para os embates saudáveis, para o olho no olho. A Inteligência Artificial agora pode ser minha amiga, minha terapeuta, minha namorada. Mais prático, mais rápido, mais cômodo. Será mesmo?

Escutamos cada vez menos, tamanha pressa e ansiedade. Somos menos empáticos às dores dos outros, às tristezas das pessoas, às opiniões contrárias.

A IA, que antes parecia coisa de filme, agora faz parte do nosso dia a dia, seduzindo com soluções fáceis e confortáveis. O algoritmo nos conhece, nos oferece exatamente o que queremos, nos mantém na zona de conforto.

Mas a grande questão é: estamos realmente vivendo?
Viver é estar presente. É estar no aqui e agora, seja ele bom ou ruim. É se permitir o encontro real — com gente de verdade, vida off line.

Olhos nos olhos.
Corpos que se tocam.
Mãos que se encontram.
Sorrisos sem motivo.
Choros que aliviam.
Abraços que reorganizam a alma.
Silêncios que dizem: “eu estou aqui”.

Viver é aceitar que as pedras no caminho não são obstáculos, são parte da estrada. Que os tropeços não nos definem, mas nos moldam. Que é no desconforto, e não na zona de conforto, que nasce a nossa melhor versão.
Aliás, em primeiro lugar você precisa se amar, cuidar de si e ser feliz consigo mesmo. Conhecer quais suas forças, fraquezas, sombras, potências.

Porque nada, absolutamente nada, se transforma lá fora… sem que antes aconteça uma transformação aqui dentro.
O mundo é, muitas vezes, apenas um espelho daquilo que transborda — ou falta — em nós.

Sou Ingrid Haas, Palestrante, Escritora e PhD em Direito. Professora na USP, autora de diversos livros. Facilitadora de Comunicação Integrativa e Não Violenta, Diversidade, Inclusão e Gestão de Conflitos.

Ajudo empresas, equipes e pessoas a enfrentar os desafios de comunicação em ambientes diversos e multiculturais. Sou Formada em Letras e Direito, com Mestrado e Doutorado em Direito.
Leia mais