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Por mais Eunices, Fernandas e Rebecas

Comemoração da vitória de Fernanda lembrou a euforia nacional quando Rebeca Andrade brilhou nas Olimpíadas de Paris

Na última semana, o Brasil parou para celebrar um feito histórico: Fernanda Torres tornou-se a primeira atriz brasileira a conquistar um Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama. Sua interpretação no filme “Ainda Estou Aqui” superou concorrentes de peso como Angelina Jolie, Kate Winslet, Nicole Kidman, Pamela Anderson e Tilda Swinton.

No filme, Fernanda retrata Eunice Paiva, um símbolo de coragem e resistência durante a ditadura militar. Eunice enfrentou a tragédia de perder o marido, o ex-parlamentar Rubens Paiva, retirado de casa, torturado e assassinado em 1971. Diante dessa perda, ela assumiu a liderança na busca por memória, verdade e justiça, assumindo um papel central, durante 25 anos, para que o desaparecimento do seu cônjuge fosse oficialmente reconhecido pelo Estado brasileiro. Em 1996, sua luta resultou na emissão do atestado de óbito, marcando uma vitória simbólica e histórica contra os silêncios impostos pelo regime.

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A comemoração da vitória de Fernanda lembrou a euforia nacional que tomou conta das redes sociais em 2024, quando Rebeca Andrade brilhou nas Olimpíadas de Paris. A atleta conquistou a medalha de ouro no solo e foi ovacionada por sua maior rival, Simone Biles, considerada a maior ginasta da história.

Mas o que Eunice, Fernanda e Rebeca podem nos ensinar? Eunice, mesmo diante da dor e da angústia, mostrou que recomeçar é possível: 26 anos após sua primeira graduação, retornou à universidade e formou-se em Direito. Tornou-se uma líder na luta pelos direitos humanos e pela abertura dos arquivos das vítimas da ditadura, deixando um legado de resiliência e compromisso com a justiça.

Fernanda Torres, por sua vez, nos ensina que podemos sempre nos reinventar. Reconhecida como uma das melhores comediantes do Brasil, graças a séries icônicas como Os Normais e Tapas & Beijos, ela será lembrada internacionalmente como uma atriz dramática em um filme que emocionou o mundo. Outra lição é de que o talento transcende barreiras, como destacou sua mãe em entrevista emocionamente, ao trazer a dificuldade de artistas “abaixo da linha do Equador” de obter o reconhecimento internacional por sua contribuição à cultura.

Já Rebeca Andrade simboliza a força da perseverança, nos lembrando que a trajetória até o topo na maioria das vezes não é simples e nem linear. Natural de Guarulhos, começou a treinar com quatro anos de idade em um projeto social voltado ao esporte. Sua trajetória até se tornar a maior medalhista olímpica do Brasil precisou de resiliência e determinação para continuar treinando apesar das dificuldades, lesões e pressões internas e externas - habilidades essenciais para se ter sucesso em qualquer carreira. A ginasta, estudante de psicologia, ainda traz importantes mensagens sobre a importância de ouvir o próprio corpo sobre os nossos limites e de cuidar da nossa saúde mental e física. Além disso, sua coroação no pódio com o apoio de Simone Biles reforça valores como respeito, humildade e a importância da sororidade, desmistificando o mito da rivalidade feminina.

Sobre os pontos de convergência, acredito que o maior legado de todas elas foi trazer um senso de pertencimento e o orgulho nacional em um país marcado por divisões políticas. Suas histórias são exemplos poderosos de que, mesmo em um país machista, o talento, a força e a determinação das mulheres podem brilhar e inspirar. Que essas histórias sejam sementes para um futuro no qual mais mulheres e meninas possam ser protagonistas de suas próprias histórias.


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Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.
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