Estamos às portas de celebrar mais uma vez o Natal. Seria oportuna a pergunta se isso ainda faz sentido. A questão nem é sobre as luzes, os presentes, o caminhão da Coca-Cola, a uva passa dentro ou fora. Nos provoquemos sobre a razão de ser desta festa. De modo mais ou menos intenso, não é possível se furtar ao fato de que no dia de Natal se celebra o nascimento de Jesus.
Sim. Jesus é uma personagem controversa, um território em disputa. Não se pode, hoje, colocar em questão a sua existência. Todavia o desafio é saber o que “sobra” de uma figura cujo nome se associa a coisas tão opostas.
Nazareno, Emanuel, Senhor, Salvador, Rei, Pastor... Muito se diz sobre quem foi Jesus Cristo. Não se pode passar ileso à sua história. Seja na colheita dos fatos ou amparados na mensagem da fé, o nascimento, a paixão, a vida de Jesus mudou o calendário - que se divide no Ocidente em antes de depois de Cristo -, mudou o mundo.
A Tradição lega a nós os Evangelhos, nos quais é possível conhecer histórias e traços acerca dessa figura. Há espaço para milagres (Mc 8, 1-9), grandes sermões (Mt 5; Lc 6), parábolas tocantes (Mt 13). Há espaço para cenas tocantes de encontros que vidas vida foram transformadas. Vide os discípulos que deixam tudo (Lc 5), o diálogo com a Samaritana (Jo 4), o resgate da adúltera (Jo 8)...
É claro, Ao fim e ao cabo, que todas as religiões são caminhos espirituais, os quais tratam da aspiração humana pela transcendência, para comunhão com o infinito. O homem, que é um animal com defeito, também anseia pelo céu! Há algo todavia, de particular no cristianismo e que encontra seu eixo em Jesus Cristo: “se tudo que sobre converge” (Teilard Chardin) e toda prática espiritual fala de subidas, a fé cristã, em “sagrado avesso”, trata de um Deus que desce.
Claro, a psicanálise teorizaria que a idea de uma “redenção” não é outra coisa mais do que mais uma cena da grande tragédia da “culpa” que é a existência humana. O fato é: para além, da fixação no “arrependimento” , com suas matizes e excessos, o cristianismo apregoa um Deus que, de tanto amor pelos seres humanos, quis se arriscar a ser um de nós.
O que se celebra no Natal não é outra coisa do que a paixão, do que o amor na expressão mais intensa. Quem ama sai de si, vai ao encontro do outro. O Deus cristão, ao ser amante, quis saber o que é ser gente, gente como a gente.
O Verbo se encarna, diz Santo Irineu de Lyon (séc. II) para acostumar Deus a viver no meio dos homens e os homens a conviver com Deus”. Por isso Jesus nasce em Belém, frágil e desemparado. Ele vive os primeiros anos como imigrante, mora no subúrbio de Nazaré, à margem.
A gente mal sobe num banquinho e já se acha. A gente passa o ano todo tropeçando no próprio ego, iludido com o próprio conceito de si mesmo, desesperados para ser “alguém” na vida. Jesus, sem sentido diverso, que tudo tinha, quis ser um Zé ninguém (Mt 13,55).
Por isso vale a pergunta: qual o sentido de celebrar o Natal? Ah, o Natal é um insulto. Numa sociedade que valoriza o exagero e a grandeza, o Natal não faz sentido... Assim, que para nós, então, o nascimento de Jesus seja um antídoto! Desçamos uma vez mais à manjedoura, contemplando um amor genuíno.
O despojamento de Jesus nos seja uma escola, que Belém preencha nossa vida de um novo sentido, que purifique nossos olhos, nossos sonhos... Afinal, “o sonho de todo menino é ser homem. O sonho de todo homem é ser rei. O sonho de todo rei é ser um deus. Só Deus quis ser menino”... (Boff)