Diversas pessoas denunciam a contaminação de um medicamento contra epilepsia, que vem causando efeitos colaterais em pacientes com esclerose tuberosa e outras doenças crônicas. Lotes do remédio Sabril, feito à base do fármaco vigabatrina, estão contaminados pela substância tiaprida, usada principalmente para tratar a abstinência de álcool.
O laboratório Sanofi, responsável pela produção do remédio, confirmou a contaminação e já recolheu os lotes das farmácias. Por meio de nota, o laboratório ainda orientou que as pessoas não deixassem de usar a medicação, pois, segundo eles, “os riscos conhecidos da interrupção abrupta do tratamento com Sabril (vigabatrina) são maiores que os riscos teóricos relacionados aos traços de tiaprida encontrados nos lotes em recolhimento”.
Os pacientes, no entanto, alegam estar sofrendo com efeitos colaterais comuns da substância tiaprida, como hipersalivação e movimentos musculares involuntários. Ao mesmo tempo, a falta do Sabril faz com que os pacientes voltem a ter graves crises convulsivas e perda da coordenação motora. É o caso do Ítalo, de 14 anos, que sofre com esclerose tuberosa e precisou interromper o uso do medicamente subitamente.
“Tem 10 anos que ele toma esse medicamento, que teve uma ótima melhora para ele, inclusive parou as convulsões, e continua bem. Agora desfazer do remédio é complicado, vai voltar as convulsões, eu vou perder muita coisa, vou perder movimento do andar, o falar. Eu peço as autoridades que se coloquem no lugar de uma mãe, que tem um filho que tem uma crise convulsiva de difícil controle, que tome as providências cabíveis. A gente não pode aceitar isso porque são vidas que nós estamos lidando”, relata a mãe de Ítalo, Cristina Mariano.
O Sabril 500 mg foi recolhido em estados de quase todo o país e também no exterior. O medicamente custa cerca de R$450, segundo o laboratório, mas pode variar de acordo com cada região e farmácia, e é fornecido pelo SUS.
Efeitos colaterais da contaminação
Davi tem dois anos e oito meses, e precisou ser internado no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, devido aos efeitos colaterais do uso do Sabril contaminado com a substância tiaprida. A mãe da criança, Maria Clara de Oliveira Gomes, de 22 anos, conta que há cerca de um mês o filho vem apresentando sintomas idênticos aos listados como colaterais do uso de tiaprida.
“Dia 16 de junho eu peguei essa medicação com este lote que está contaminado, e aí desde então eu percebo uma pior dos quadros dele. No dia 17 de julho, eu recebi uma nota dizendo que essa medicação estava contaminada e quatro lotes estavam contaminados. Eu fui ver e realmente do meu filho, estava dentre esses quatro lotes. Três dias depois a farmácia de Minas me ligou e pediram para suspender imediatamente o uso dessa medicação. Só que suspendeu o uso dessa medicação trouxe mais problemas para ele”.
David já estava internado, sofrendo com hipersalivação, vômitos, prostração e problemas motores quando Maria Clara descobriu a contaminação do medicamento. O uso do Sabril foi imediatamente interrompido, mas os médicos alertaram para o perigo da suspensão súbita, que poderia ter causado reações mais graves.
Pelas redes sociais, Maria Clara conheceu outras mães de todo o Brasil que tem relatado os mesmos problemas nos filhos que usam o Sabril. É o caso da atriz Yohama Eshima, que denunciou nas redes sociais que o seu filho Tom, de três anos, tem sofrido efeitos do uso do Sabril contaminado.
“Quando vi que as duas caixas de remédios estavam entre os lotes contaminados, comecei a chorar e tremer de raiva. A gente já tem tanta dificuldade com as próprias crises convulsivas, o preconceito. Isso é mais uma coisa que pesa no nosso trabalho como mães e pais de uma criança com deficiência”, contou a atriz pelas redes sociais.
Inspirada pelo grupo de mães que agora pedem justiça, Maria Clara, mãe do Davi, decidiu registrar um boletim de ocorrência contra o laboratório Sanofi. Ela alega que a contaminação do medicamente e sua interrupção súbita trouxeram piora do quadro de saúde do filho, que perdeu meses de desenvolvimento.
“Eu fui instruída a fazer um boletim de ocorrência, porque a minha intenção é tomar medidas drásticas em relação a isso. Eu conseguia apresentar uma qualidade de vida melhor para meu filho, e agora tudo aquilo que ele conquistou ao longo da vida está sendo regredido. Eu espero que a empresa seja, de alguma forma, punida por isso. Porque diversas mães já entraram em contato comigo dizendo que o filho está no CTI, dizendo que o filho está com graves efeitos colaterais, e isso está regredindo o quadro das crianças que tem essa má formação. Tudo aquilo que nós mães conseguimos para os nossos filhos, nós estamos perdendo na qualidade de vida do nosso filho por conta de um erro”.
Associação descobriu a contaminação
A denúncia dos lotes contaminados partiu da Associação Brasileira de Esclerose Tuberosa (Abet). Segundo a presidente da Abet, Márcia da Silva, a interrupção do uso do medicamento é muito perigosa, e por isso a associação luta na Justiça para que novos lotes do remédio sejam produzidos e distribuídos mais rapidamente.
“Tem mãe que precisa internar essa criança por ela dar muitas crises convulsivas. Para fazer o desmame tem que ser através de um neuropediatra ou de um médico, que possa tirar esse medicamento e substituir por outro, que não é o medicamento correto. A associação, prepara uma ação na justiça para que a empresa produtora do remédio agilize a entrega dos novos lotes”.
A associação funciona a partir de doações voluntárias. Para ajudar a Abet, basta entrar em contato pelo telefone 3221-1244.
Medicamento deve voltar às farmácias no próximo mês
Por meio de nota, a Sanofi afirmou que “os traços de tiaprida encontrados são extremamente baixos, em quantidade improvável de causar efeitos adversos, mesmo considerando o uso todos os dias ao longo da vida”. Além disso, a empresa disse que “o medicamento continua sendo produzido, porém em quantidade limitada” e que “deve chegar de forma gradativa às farmácias públicas e privadas a partir do início de agosto de 2023”.
Leia nota na íntegra:
"É importante deixar claro que somente o especialista médico poderá dar a orientação adequada para cada paciente em relação ao tratamento.
Informamos que o recolhimento voluntário foi comunicado pela Sanofi a Sociedades Médicas e profissionais de saúde de forma a prepará-los para avaliar a situação de cada paciente antes de qualquer mudança no tratamento. Adicionalmente um comunicado foi disponibilizado no site corporativo da Sanofi (
Conforme ressaltamos em todos as comunicações oficiais sobre o tema, os riscos conhecidos da interrupção abrupta do tratamento com Sabril® (vigabatrina) são maiores que os riscos teóricos relacionados aos traços de tiaprida encontrados nos lotes em recolhimento.
Os traços de tiaprida encontrados são extremamente baixos, em quantidade improvável de causar efeitos adversos, mesmo considerando o uso todos os dias ao longo da vida.
Por esse motivo, orientamos os pacientes a não interromper o tratamento sem antes consultar um profissional de saúde. Esta é também a recomendação dada por entidades médicas de referência como a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) e a Liga Brasileira de Epilepsia (LBE). Dúvidas sobre o tratamento devem ser discutidas exclusivamente com o médico responsável pelo tratamento.
Em relação ao abastecimento de Sabril, informamos que, embora em quantidade limitada, novas unidades do produto Sabril® começaram a ser distribuídas no final de julho de 2023, de forma controlada, com o objetivo de dar acesso ao maior número de pacientes que não possuem outras alternativas terapêuticas no mercado.
O medicamento deve chegar de forma gradativa às farmácias públicas e privadas a partir do início de agosto de 2023. Esse tempo pode variar de acordo com a região do País.
O medicamento continua sendo produzido, porém em quantidade limitada. Reforçamos que em nenhum momento a Sanofi cogitou interromper a produção de Sabril®. Estamos diante de uma situação de desabastecimento temporário de Sabril® por causa de restrições da matéria-prima que é importada e que deve prosseguir ao longo de 2023. Estamos tomando todas as medidas necessárias para normalizar o abastecimento o mais breve possível”.