O Supremo Tribunal Federal (STF) considera constitucional a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte de pessoas que estão inadimplentes. A medida não foi bem recebida pela população de Belo Horizonte que ficou revoltada.
“Eu acho isso aí um absurdo. Um tapa na cara da sociedade. Nós passamos três ano de pandemia, acabou com o mundo, não só com o Brasil e agora quer descontar nas costas do povo brasileiro trabalhador. Sem a CNH, 90% do Brasil vai parar, porque você depende dela pra fazer tudo, pra trabalhar. Agora vem uma covardia dessa! Pra mim é um ato de covardia”, desabafou um belo-horizontino.
Para Marcelo Pinheiro Ramos, comerciante, a medida é absurda.
“Resumindo em uma palavra só, é um absurdo isso e possivelmente deve ser inconstitucional também, levando em conta que muitos brasileiros dependem da CNH pra trabalhar e eu sou um deles. Eu sou comerciante de automóveis. Então, eu dependo da minha CNH. Não tem como, é uma ferramenta de trabalho.”
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no último dia 10, ser constitucional o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar “medidas coercitivas” que julgue necessárias no caso de pessoas inadimplentes. Essas apreensões e restrições seriam efetivadas por meio do cumprimento de ordem judicial. Ao julgar o tema, a maioria do plenário acompanhou o voto do relator, o ministro Luiz Fux. O relator conclui que a medida é válida, “desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”.
Pela decisão, dívidas alimentares estão livres da apreensão de CNH e passaporte, além de débitos de motoristas profissionais.
O professor de direito da UFMG, Fernando Gonzaga Jayme, analisa que a decisão é uma medida que vai na contramão da dignidade.
"É uma medida absolutamente retrógrada. Quando existe uma dívida civil é o patrimônio do devedor que vai responder por aquela obrigação e não mais a sua liberdade, os seus direitos individuais. Quando o Supremo decide pela validade dessas medidas restritivas de direitos individuais, ele está dando um passo atrás, voltando uma era já que acreditava ser superada no processo de desenvolvimento e de evolução do próprio direito. Essa decisão ela não contribui para o progresso, nem para a maior efetividade do progresso civil brasileiro.”
Durante a votação, os ministros fizeram a ressalva que as medidas só podem ser aplicadas se não afetarem direitos fundamentais, como o direito à saúde e à segurança. Quem usa a CNH para trabalhar, por exemplo, não teria o documento apreendido.
Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, em 2022, a cada 100 famílias brasileiras, 78 estavam endividadas. O patamar é o mais elevado da série histórica da Peic, com início em 2010.
Entre 2020 e 2022, a proporção de famílias endividadas passou de 66,5% para 77,9%, uma alta de 11,4 pontos percentuais.