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Médicos atendem mais de 800 crianças em apenas dois dias em BH, e famílias esperam até cinco horas

Sindicato dos Médicos calcula que seriam necessários mais 300 profissionais, pelo menos, para garantir a redução no tempo de espera para crianças nos hospitais de BH

Crise na pediatria afasta médicos de Sistema Único de Saúde

O baixo número de pediatras disponíveis e o aumento na procura por atendimento para crianças na rede pública levam a jornadas exaustivas. Em apenas um fim de semana, médicos realizam cerca de 700 atendimentos pediátricos em unidades de saúde da capital. Nos dias 16 e 17 de julho, por exemplo, 73 médicos atuaram apenas neste tipo de atendimento e 852 crianças foram consultadas no período. A informação é da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Ainda conforme o órgão, 47 médicos atenderam nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) Norte, Oeste e na emergência do Hospital Odilon Behrens; outros 26 atuaram nos centros de saúde, abertos apenas aos sábados e domingos para tentar desafogar a alta demanda. Estes 73 médicos não são necessariamente pediatras, mas também clínicos – a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) não informou à reportagem quantos realmente são especialistas em pediatria.

“Nos dias 16 e 17 foram realizados 536 atendimentos pediátricos nas UPAs Norte e Oeste e no Pronto Socorro do Hospital Odilon Behrens e 316 nos centros de saúde, sendo em seis unidades no sábado e em cinco no domingo”, destacou a administração municipal. Além disso, de acordo com alguns pais ouvidos pela Itatiaia, o tempo de espera por atendimento nas datas chegou a cinco horas.

Nos dias 23 e 24 de julho, também um fim de semana, outros 25 médicos completaram a escala. Ou seja, 98 profissionais atuaram no atendimento pediátrico nas duas ocasiões, sendo 75 nas duas UPAs e no Odilon Behrens e os outros 23 nos centros de saúde. No período, 622 crianças foram atendidas – 221 nos centros de saúde e 401 nas três unidades municipais.

Para o pediatra Fernando Mendonça, diretor do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), o número de profissionais disponíveis não é ideal. “Deveria ser muito maior. Em cada posto de saúde deveria ter pelo menos um pediatra para referência das equipes de Saúde da Família, o que não acontece”, explicou.

Então, se considerarmos as necessidades das escalas de unidades de Pronto Atendimento dos hospitais que atendem à rede pública e dos centros de saúde, acreditamos que deveríamos ter pelo menos mais 300 pediatras de maneira efetiva na rede de atendimento.

De acordo com Mendonça, a queda no número de médicos disponíveis acontece há mais tempo em Belo Horizonte, mas foi percebida de forma mais acentuada nos últimos meses.

Tanto o governo do Estado, quanto as prefeituras, não têm se preocupado em garantir escalas completas. Há 30 anos, por exemplo, em Belo Horizonte, tínhamos sete UPAs funcionando 24 horas por dia, todos os dias da semana. Agora, nos finais de semana, apenas duas ou três funcionam, às vezes uma só. Não há preocupação em garantir, principalmente quando se precisa, o número adequado de profissionais.

As escalas de atendimento são definidas de acordo com o número de profissionais à disposição. Ou seja, quando poucos médicos estão disponíveis, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) decide concentrá-los em unidades específicas.

Solução para a crise da pediatria em BH

Um médico que optou por não ser identificado detalhou à reportagem que as soluções adotadas até então não são efetivas. Ele sustenta que o município deveria adotar estratégias para evitar os desligamentos de profissionais da saúde da rede pública de Belo Horizonte.

Tem que haver uma união dos profissionais, pediatras, gestores, para que realmente tenham uma solução dessa situação que está totalmente caótica. Nesse momento precisamos muito mais do que apenas ficar dialogando, nós precisamos de atitudes eficazes e eficientes.

Uma das estratégias criadas pela PBH para buscar aliviar a crise foi a concentração de pediatras em três unidades – nas UPAs Oeste, Norte e no Pronto-Atendimento do Odilon Behrens – e a abertura de centros de saúde aos fins de semana. “Porém, uma estratégia para realmente recompor as equipes e um prazo para que isso ocorra não é divulgado”, critica o médico.

Ambiente hostil para os pediatras em BH

O pediatra cita ainda que o clima nas unidades de saúde é hostil, e a pressão psicológica influencia a decisão de profissionais de pedirem o desligamento. Ele detalha que a demora no atendimento de crianças leva à tensão no ambiente. O médico sugere que gestores precisam ser trocados. "É preciso retirar de cena os gestores que não tiveram a competência necessária para evitar que a situação chegasse a este ponto”.

Ainda segundo ele, “os novos gestores terão a missão de transformar o ambiente de trabalho, que hoje é hostil, em um local mais ameno e, se possível, até mais agradável de se trabalhar”.

Outra razão que dificulta a contratação de profissionais é a faixa salarial oferecida pela Prefeitura de BH.

Para conseguir contratar, será necessário que sejam oferecidos salários mais competitivos com o mercado e até maiores. Dificilmente um profissional irá aceitar ir para uma UPA se não tiver realmente uma proposta financeira atraente.

Prefeitura de BH responde

Em nota à reportagem, a prefeitura explicou que busca “recompor as equipes médicas e garantir assistência à população”. De acordo com o município, no último 11 de junho “foram definidos alguns pontos para atendimento pediátrico durante os fins de semana, incluindo a abertura de centros de saúde”.

A intenção, segundo a administração, é reduzir o tempo de espera. “De janeiro a junho, foram admitidos 937 médicos (pediatras ou não). Durante esse mesmo período, 193 foram desligados, inclusive pelo término do período contratual. Cabe ressaltar que mesmo médicos generalistas podem atender casos pediátricos”. Conforme a prefeitura, “são cerca de 259 médicos pediatras atuando nas unidades de saúde da capital”.

Os afastamentos por atestado são um problema apontado pelo município. De acordo com a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, 237 médicos foram afastados no mês passado – cerca de 8,30% do total por motivo de doença.

Como mais uma medida para garantir o atendimento da população, o município concedeu 35% de aumento no valor dos plantões médicos extras em todas as unidades da rede SUS-BH. No dia 15 de junho, foi publicada no Diário Oficial do Município (DOM), a convocação de mais 188 médicos aprovados no concurso.

Prefeitura de BH quer contratar 101 pediatras

Ainda por meio de nota, a PBH informou que o banco de currículos segue ativo no site para contratação imediata de médicos. Atualmente, são 101 vagas abertas para pediatras na capital.

Conforme o próprio portal da prefeitura, a carga horária varia entre 12 e 40 horas semanais, e a remuneração para médicos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) é entre R$ 3.777,81 e R$ 15.855,30. Para atuação nos centros de saúde, os salários estão entre R$ 3.155,23 a R$ 11.665,49. O valor varia de acordo com o local e o período de trabalho.

O Executivo municipal foi questionado sobre a informação recebida pela reportagem de que os “salários são pouco atrativos e competitivos com o mercado”. Como resposta, a PBH disse que “vem ao longo dos anos se esforçando para promover melhorias na remuneração e condição de trabalho dos médicos da capital”.

A prefeitura também explicou que os médicos concursados da administração direta que possuem uma jornada de 40 horas semanais recebem, em média, mais de R$ 20,4 mil de remuneração bruta por mês. “Com o reajuste de 11,77% promovido pela negociação salarial deste ano, este valor médio aumentará para R$ 22,8 mil. Além disso, a administração municipal está realizando aumento de mais 200% no adicional de insalubridade, por exemplo. Para garantir os atendimentos da população, o município concedeu um aumento de 35% no valor dos plantões médicos extras em todas as unidades da rede SUS-BH”, conclui.

Patrícia Marques é jornalista e especialista em publicidade e marketing. Já atuou com cobertura de reality shows no ‘NaTelinha’ e na agência de notícias da Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt). Atualmente, cobre a editoria de entretenimento na Itatiaia.