Caso Alice: delegada confirma transfobia como uma das linhas de investigação

Mulher trans, de 33 anos, foi brutalmente agredida por dois funcionários do Rei do Pastel depois de sair sem pagar uma conta de R$ 22

Delegada explica o que se sabe sobre caso Alice

A delegada Iara França, do Núcleo de Feminicídio do DHPP, informou, nesta sexta-feira (14), que uma das linhas de investigação do ‘Caso Alice’ é transfobia. Alice Martins Alves, mulher trans, de 33 anos, morreu no último domingo (9), após ser brutalmente agredida por dois funcionários do Rei do Pastel, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A agressão ocorreu no dia 23 de outubro, e Alice morreu no dia 9 de novembro.

Para a Polícia Civil, “a cobrança da dívida irrisória pode ter sido apenas o estopim, mas não a motivação principal da brutalidade”.

A agressão aconteceu na noite de 23 de outubro, quando Alice deixou a pastelaria sem pagar uma conta de R$ 22. De acordo com a investigação, isso já havia ocorrido antes, tanto com ela quanto com outros clientes, sem gerar conflitos, já que os consumidores costumam voltar posteriormente para quitar o valor.

A delegada explicou que a vítima era conhecida no local e relatava sofrer olhares preconceituosos.

No dia da agressão Alice sofreu lesões graves, incluindo costelas quebradas, ela chegou a ir para o hospital mas foi liberada. Cerca de duas semanas depois ela foi internada novamente, e não resistiu aos ferimentos.

De acordo com a polícia, no dia 5 de novembro ela chegou a registrar uma ocorrência, acompanhada do pai. “A vítima relatou ter demorado a procurar a polícia por vergonha e medo, por entender que havia sido alvo de agressão por ser mulher trans”, declarou a delegada.

O chefe do departamento, delegado Thiago Machado, e a delegada Iara França confirmaram que dois suspeitos já foram identificados e qualificados. Eles trabalhavam no local frequentado pela vítima. Ninguém foi preso.

O Rei do Pastel, se posicionou, pela primeira vez, nesta sexta-feira (14): “Nos colocamos a disposição das autoridades competentes

Leia a nota do Rei do Pastel na íntegra

Investigação segue sob sigilo

O caso foi encaminhado ao Departamento de Feminicídios no dia 10 de novembro e segue sob sigilo. A PCMG informou que medidas cautelares já foram solicitadas e cumpridas, mas não detalhou quais, já que os investigados estão em liberdade.

A corporação negou a participação de um terceiro funcionário, como chegou a circular em alguns veículos de imprensa.

O inquérito conta com áudio captado por câmera, que será periciado. A Polícia Civil lembrou que Alice passou por exame de corpo de delito em vida, no dia 5 de novembro, e a perícia confirmou que a morte foi causada diretamente pelas agressões.

‘Perdi minha amiga’

“Será que uma transexual não tem direito de viver em paz?”, desabafou Edson Alves Pereira, pai de Alice,em entrevista a Itatiaia.

Durante o velório da filha, no dia 10 de novembro, o pai, visivelmente abalado, relembrou o dia do crime e lamentou a morte da amiga, como ele mesmo descreveu.

“No dia, não quis me avisar porque eu tenho problema de pressão. Acordei umas 2h30, 3h da manhã e fui ver se ela tinha chegado. Quando abri a porta, ela disse: ‘Pai, olha o que fizeram comigo”, contou Edson, lembrando o susto ao ver a filha com tantas escoriações.

Nos dias seguintes, o quadro clínico de Alice se agravou rapidamente. Ela perdeu entre 12 e 13 quilos em duas semanas, apresentava vômitos constantes e dificuldade para se alimentar.

“Perdi a minha amiga, minha companheira. A gente assistia filme junto, bebia uma cervejinha dentro de casa. Ela sempre dizia: ‘Pai, eu te amo’. Agora eu estou sem ela”, lamentou.

Edson contou que a filha sofreu preconceito durante toda a vida e que ele próprio passou por um processo de aprendizado e aceitação. “Ela dizia: ‘Pai, eu não pedi pra nascer assim, eu sou assim’. E eu fui mudando o coração. Deixei de viver a minha vida para acompanhar minha filha, fazer companhia”, disse, emocionado.

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Estudante de jornalismo pela PUC Minas. Trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre Cidades, Brasil e Mundo.

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