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Dez anos de checagem: como as agências transformaram o jornalismo no Brasil

Apesar dos avanços no combate a fake news, novos desafios têm surgido

Nos últimos dez anos, o hábito de verificar se uma notícia é verdadeira antes de compartilhá-la se tornou comum para milhões de brasileiros. Uma prática que ganhou força com a criação das primeiras agências de checagem de fatos no país, como resposta à avalanche de desinformação espalhada pelas redes sociais e aplicativos de mensagens.

O marco inicial foi em julho de 2015, com o lançamento do site Aos Fatos. Poucos meses depois, em novembro, surgiu a Agência Lupa. Outras plataformas, como UOL Confere (2017) e Estadão Verifica (2018), também se somaram ao combate à desinformação. As quatro integram a International Fact-Checking Network (IFCN), referência global na área.

Em entrevista à Agência Brasil, as diretoras das duas pioneiras no país destacam o impacto do trabalho na política e na própria prática jornalística.

“Durante a década de 2010, políticos e influenciadores passaram a driblar a imprensa tradicional para falar diretamente ao público pelas redes sociais. Sem apuração jornalística, a desinformação se espalhou com mais facilidade”, explica Tai Nalon, diretora do Aos Fatos.

Ela destaca que a checagem surgiu como uma reação a esse novo cenário: “A ideia era verificar afirmações de políticos que usavam essa desmediação para divulgar alegações falsas, enganosas ou tiradas de contexto”.

Já Natália Leal, diretora da Agência Lupa, ressalta que o trabalho das agências influenciou até o comportamento de candidatos. “Durante as eleições, era comum ouvir políticos dizendo que só falariam de determinado tema depois de conferir os dados, com medo de serem desmentidos por uma checagem”, afirma.

Ela também aponta um efeito importante sobre o jornalismo: “Até a pandemia, era muito comum o jornalismo declaratório — a autoridade falava e o público que tirasse suas conclusões. Isso mudou. O jornalismo passou a ser mais assertivo, a contextualizar e confrontar dados. Foi um avanço”.

Números da checagem

A Aos Fatos, que completa dez anos em 2025, divulgou um balanço da década: foram mais de 19 mil checagens, sendo 15 mil sobre declarações de 167 figuras públicas e quase 4 mil desmentidos de boatos nas redes.

Os temas mais recorrentes foram política e eleições (2.105 checagens), seguidos por saúde (594), especialmente durante a pandemia de covid-19. O ano de 2020 foi o mais intenso, com 718 checagens — muitas relacionadas às vacinas.

Outro foco foi o governo de Jair Bolsonaro: a plataforma analisou 1.610 declarações do ex-presidente ao longo de 1.459 dias. O resultado: 6.685 afirmações falsas ou distorcidas — uma média de quatro inverdades por dia.

Apesar dos avanços, os desafios continuam. Para Tai Nalon, um dos maiores é o recuo das plataformas digitais em relação à moderação de conteúdo.

“Algumas redes têm retirado mecanismos de verificação. A automatização excessiva torna os sistemas ineficientes. Não dá para combater desinformação em escala só com inteligência artificial. É preciso investir em jornalismo e moderação humana”, defende.

As próprias agências também passaram a ser alvo de campanhas de desinformação.

“Grupos políticos, especialmente da extrema direita, tentam rotular a checagem como censura ou instrumento autoritário. Isso é parte de uma teoria da conspiração. Checagem é jornalismo, é liberdade de imprensa, é defesa do contraditório”, reforça Natália.

Reinvenção constante

Para comemorar os dez anos, a Agência Lupa prepara uma reformulação completa do site até o fim do ano, com novas ferramentas e projetos. Um deles é o “Lupa no Clima”, voltado para a checagem de desinformação sobre a crise climática, com foco especial na cobertura da COP 30, que será realizada em Belém (PA).

Segundo Natália Leal, manter a relevância exige inovação constante.

“Checagem é jornalismo, e o jornalismo enfrenta uma crise de financiamento. Estamos sempre buscando novas formas de atuar, alcançar novos públicos e enfrentar um ambiente de desinformação cada vez mais intenso”, explica.

“As plataformas de checagem chegam aos dez anos no Brasil com um compromisso de reinvenção. A forma como nos conectamos com o público é nosso maior ativo — e será essencial para os próximos dez anos”, conclui.

* Com informações de Agência Brasil

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