Lúcio Flávio Vilar Líria, de 31 anos, foi morto há exatos 50 anos, em uma prisão do Rio de Janeiro, com 28 golpes de faca. O dia era 29 de janeiro de 1975, na época, jornais noticiaram que a versão oficial de sua morte foi um ataque enquanto dormia, porém, o suspeito do crime, Mário Pedro da Costa, conhecido como Marujo, disse ter agido em legítima defesa, após uma discussão durante um jogo de cartas.
Conhecido por suas dezenas de fugas inusitadas, como serrar grades, cavar túneis e até escapar disfarçado de padre, Lúcio também ficou conhecido por expor o ‘Esquadrão da Morte e a Scuderie Le Cocq’, grupo de extermínio ligados à polícia, de forma pública. Lúcio tinha também, 74 acusações formais e cerca de 400 processos relacionados a roubos de carros.
Um dos criminosos mais notórios do Brasil na década de 1970, Lúcio Flávio Vilar Lírio foi o tema de uma página policial do ‘Jornal da Tarde’ de 31 de janeiro de 1974, quando o criminoso havia sido preso sem resistência no dia anterior numa pensão em Belo Horizonte, apesar de estar fortemente armado.
Em entrevista à imprensa, Lúcio que havia escapado de uma prisão no Rio de Janeiro 11 dias antes, prometeu que ia fugir novamente - elogiou a polícia mineira e disse que a sua 17ª fuga foi facilitada pela corrupção na polícia carioca:
“A polícia de Minas não é podre e corrupta como a do Rio. Eles tem orgulho em prender marginal respeitado como eu. Eu sei que essa não foi e nem será a última vez que fugi. Vou escapar de novo. Garanto como dois e dois são quatro. E haveria razão para eu não tentar mais fugir? Regenerar-me, como dizem, nunca vou, porque esse sistema injusto e cheio de armadilhas não vai permitir. Estou num jogo, sou um vivo-morto. A qualquer hora os policiais, que sabem que eu não calo mesmo sobre corrupções, vão querer me matar como fizeram com o Nijine Renato, meu irmão”, disse ele na época.
Sua história no cinema
Com diversas críticas à polícia, o criminoso virou uma figura controversa e sua história foi contada no cinema. No filme “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” (1977), de Hector Babenco, o criminoso é apresentado como um anti-herói trágico. O filme denuncia a atuação do ‘Esquadrão da Morte’ como parte do aparato repressivo do regime militar.
Já em ‘Eu Matei Lúcio Flávio’ (1979), de Antônio Calmon, há uma perspectiva oposta, com foco no policial Mariel Mariscot, retratado como um justiceiro para enfrentar o crime. Lúcio Flávio aparece como um criminoso sem escrúpulos, enquanto a violência policial seria justificável. ‘Mariscot’ (1940-1981) fazia parte do grupo de policiais chamados de ’12 Homens de Ouro’ da polícia do Rio de Janeiro, um título dado a agentes que estão na raiz da milícia local.
Durante as diversas entrevistas dadas por Lúcio Flávio, ele afirmou que entrou para o crime após o declínio financeiro de sua família na década de 1960. Seu pai era funcionário público em Minas Gerais e cabo eleitoral do general Teixeira durante a eleição presidencial de 1960, quando entrou em declínio após a derrota do militar para Jânio Quadros.
O filme ‘Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia’ se passa nos anos 1960, quando surge uma organização, batizada pela crônica policial brasileira como ‘Esquadrão da Morte’, que passa a combater o crime à margem da lei.
As entrevistas o fizeram ser chamado para depor sobre a corrupção policial. Em um dos depoimentos, ele afirmou que teria dito a um policial corrupto que o chamou para cometer um crime: “Você é polícia, eu sou bandido. É como azeite e álcool, não se misturam. Agora, depois desse convite, não sei exatamente qual a sua posição: polícia ou bandido?”. A frase é uma das mais famosas do criminoso.
Suas denúncias, contudo, ajudaram a banir os policiais corruptos das forças de segurança, incluindo Mariscot. A Scuderie Le Coque, no entanto, continuou com sede oficial no Rio até meados dos anos 2000. Entre suas fileiras, um nome famoso atualmente: Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco.
Lessa tinha 19 anos quando entrou para a organização, em 1989. Ele integrou a associação após prestar o serviço obrigatório no Exército. Em novembro de 1991, o agente ingressou na Polícia Militar, quando de maio de 1993 a janeiro de 1997, atuou no Bope (Batalhão de Operações Especiais).
Morte na cadeia
Lúcio Flávio, que anos depois viraria filme de sucesso do diretor Hector Babenco estrelado por Reginaldo Faria, não viveria para cumprir a promessa da 18ª fuga. Em 29 de janeiro de 1975, data de sua morte, ele estava prestes a depor como testemunha de acusação nos processos contra o ex-policial Mariel Mariscott e outros integrantes do Esquadrão da Morte’ da polícia carioca.
Ao ser preso pela última vez, em 1974, em Belo Horizonte, Lúcio Flávio foi encaminhado para o complexo prisional Frei Caneca, no Rio de Janeiro, onde foi morto.
Sua trajetória como criminoso se iniciou em 1968, quando o regime militar interrompeu a sua candidatura a vereador em Vitória, no Espírito Santo, sendo que a partir daí, iniciou os contatos com outros jovens de sua idade e montam uma quadrilha para roubar carros.
Já aos 30 anos Lúcio acumulava 32 fugas, 73 processos e 530 inquéritos por roubo, assalto e estelionato. A família de Lúcio Flávio era considerada abastada, sendo seu pai ligado ao PSD e também cabo eleitoral de Juscelino Kubitschek.