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O que é estupro marital? Especialistas explicam

Abuso sexual pode acontecer mesmo dentro de um relacionamento estável, como namoro ou casamento

A lei brasileira entende estupro como o ato de constranger, mediante violência ou grave ameaça, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso

Namorado, ficante ou marido. Ao contrário do imaginário social, em que se acredita que o abusador é apenas o homem que surpreende a mulher em uma rua escura no meio da noite, o predador sexual pode ser alguém em quem a vítima confia: seu próprio companheiro.

O estupro marital existe e não é incomum, segundo as especialistas Camila Rufato Duarte, advogada e cofundadora do Direito Dela, com a Carla Silene, criminalista e professora no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), e com Alessandra Margotti, advogada professora universitária, doutora e mestra em direito pela UFMG. Saiba mais sobre esse fenômeno.

Leia também: Importunação sexual x assédio: entenda qual a diferença entre os crimes

O que a lei entende como estupro

Segundo o código penal, a lei brasileira entende estupro como o ato de constranger, mediante violência ou grave ameaça, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso. O crime tem uma pena severamente mais grave, de 6 anos a 10 anos de reclusão.

Já o estupro de vulnerável acontece quando se pratica conjunção carnal ou ato libidinoso com uma pessoa menor de 14 anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental ou quais outros fatores não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Estupro marital

A legislação determina que, se a mulher é forçada a transar contra a sua vontade, mesmo que com o cônjuge, é crime. De acordo com Camila Rufato, o termo estupro marital não aparece no código penal, mas é a expressão usada para quando o abuso ocorre quando a vítima e o agressor mantêm uma relação de namoro ou casamento. “A gente tende a imaginar que o estupro só acontece quando não há um relacionamento. Imaginamos situações como a do jogador Daniel Alves. Mas é importante que a gente reforce que a falta do consentimento é crime de estupro. Se a pessoa diz não, ou se ela não tem condição de dizer não, é um estupro”, explicou Camila Rufato.

A advogada acrescenta que não faz diferença ter havido conjunção carnal. Atos libidinosos (como carícias íntimas) já configuram estupro. “É importante pontuar que, para acontecer o estupro, não necessariamente tem que haver a penetração do órgão sexual masculino no órgão sexual feminino”, explicou.

As especialistas explicam que todos os crimes contra a dignidade sexual (assédio, estupro, estupro de vulnerável, importunação) se dão por ação penal pública incondicionada, o que significa que a autoridade policial tem a obrigação de inaugurar a investigação — independentemente da iniciativa da vítima.

“Esse tipo de crime independe da vontade ou representação da vítima para que a pessoa acusada de ter praticado o crime seja processada e, eventualmente, condenada criminalmente por tal ato ilícito. Mesmo se a vítima se manifestar para desincentivar a persecução criminal, dizendo expressamente, por exemplo, que não gostaria que ele fosse processado, ainda assim, chegando a possível prática desse crime ao conhecimento estatal, a pessoa acusada será ao menos investigada criminalmente”, diz Alessandra Margotti. Segundo ela, a Polícia Civil é a instituição responsável por instalar e proceder à investigação desse tipo de crime.

As especialistas ressaltam a dificuldade enfrentada pelas vítimas para comprovar que foram violentadas pelos próprios parceiros. “Essa é uma das situações mais delicadas, porque é uma violência sexual que muitas das vezes não deixa marcas físicas. Além de ser difícil de comprovar, a mulher tem que lidar com resistência social em entender que esse tipo de violência pode acontecer no casamento”, explicou Camila.

Conforme Alessandra, além de seu próprio depoimento, para trazer mais força às suas palavras, é recomendável, quando possível, tentar produzir provas documentais digitais, como fotos, vídeos, áudios. “Tendo ocorrido a violência, o corpo de delito também é uma importante evidência probatória para fundamentar a condenação do agressor em processo criminal. Além disso, quando há testemunhas, também costumam ter bastante relevância”, explicou.

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Prática naturalizada

Para Carla, a principal barreira no estupro marital é cultural. “A ideia de que no casamento a mulher tem que praticar o sexo independente da vontade dela. Basta lembrar que, até pouco tempo, a sociedade brasileira assistiu com naturalidade uma novela com o bordão ‘se prepare que hoje vou lhe usar’ e repetia isso como se fosse normal”, disse.

Para Alessandra, enfrentar esse problema passa por promover a educação sobre consentimento e fortalecer as leis e políticas de educação sexual e proteção às vítimas.

“A dificuldade em se denunciar tais crimes se dá, sobretudo, por medo da vítima de sofrer julgamento morais, repressão e retaliação por parte dos parceiros e das pessoas próximas; por eventual dependência econômica e emocional; pelo estigma social, considerando o tabu em torno do assunto”, analisou. Ela mencionou, ainda, a falta de suporte e proteção adequados, tanto por pessoas próximas quanto por instituições.


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Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.