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Criança sem sobrenome não consegue atendimento em posto de saúde: ‘não quero que minha filha seja invisível’

Quando a criança nasceu a mãe também não tinha sobrenome e após ação na Justiça conseguiu retificar a documentação

Raquelly no colo da mãe Raquel

A pequena Raquelly, de apenas 5 anos, não tem o sobrenome da mãe na certidão de nascimento e por causa disso acaba tendo todos os direitos fundamentais negados, como acesso à saúde e matrícula em escola. Para garantir os direitos da filha, a jovem mãe Maria Raquel Costa de Lima, que até 2021 também não tinha o nome completo, entrou na Justiça através da Defensoria Pública do Ceará.

“Eu não consegui terminar meus estudos, quando precisava ir ao médico era um sufoco, porque o posto não aceitava o meu documento. Minha certidão de nascimento só tinha Raquel e eu não possuía nenhum outro documento, não tinha RG, nem CPF, nem título de eleitor, nem carteira de trabalho. Ninguém emitia documentos de uma pessoa sem sobrenome. E quando a minha filha nasceu, a certidão de nascimento dela ficou só como Raquelly. Só o primeiro nome dela. Eu sei o que é passar invisível e não quero que a minha filha passe por isso”, revela a mãe.

Em entrevista ao g1, a mãe disse que tem dificuldades de conseguir remédios para a filha.

“O que me incomoda é o atendido nos postos de saúde. A dificuldade que eu tenho de pegar medicamentos para ela é a mesma quando minha família tinha quando precisava pegar algo para mim. E me lembro disso, eu sinto dor. Não queria que ela passasse por isso”, contou a mãe da criança.

Em outubro de 2021, a jovem Raquel, de 19 anos, não tinha sobrenome na certidão de nascimento e buscou a Defensoria Pública do Estado do Ceará para resolver o problema. Na certidão, além do nome completo, faltavam os nomes dos pais e dos avós. Depois de uma ação judicial, ela conseguiu retificar a documentação. Maria Raquel Costa de Lima realizou o sonho de ter em mãos a certidão de nascimento e agora busca retificar o nome da filha: a pequena Raquelly.

“Eu acho que a minha felicidade de segurar a certidão de nascimento dela com o nome alterado vai ser maior do que quando eu estava com os meus documentos. Minha filha não vai passar pelas situações que eu passei, ela vai ter um futuro melhor, vai concluir os estudos, se formar, ter um emprego e ser muito feliz”, alegra-se.

A criança, hoje com cinco anos, não tem acesso aos direitos garantidos pela Constituição Federal. Conforme informações da Defensoria Pública do Ceará, quando a pequena nasceu, como na certidão de nascimento da mãe só tinha o nome Raquel, a menina foi registrada apenas como Raquelly. Ou seja, sem o nome do pai, sem os nomes dos avós, sem sobrenome.

Raquel sabe que, ao longo da vida, não teve acesso a direitos fundamentais e por isso não quer que a filha passe pelo mesmo sofrimento. A mãe espera, agora, o fim da ação de retificação do registro de nascimento da pequena Raquelly.

História da Raquel

A Defensoria Pública do Ceará explica que quem está à frente do atendimento à família é a defensora pública Natali Massilon Pontes, supervisora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial. Para resolver as alterações na certidão de nascimento da Raquel, foi preciso entrar com uma ação judicial de adoção de maiores de 18 anos.

“Raquel é filha adotiva de uma senhora que faleceu há muitos anos e que não teve tempo de finalizar o processo adotivo. Coube à filha, Rosilene Lima, assumir a maternidade de Raquel. Comprovamos esse vínculo materno entre Raquel, Rosilene e Elizângela, companheira há mais de vinte anos de Rosilene. Reunimos várias provas com os documentos que elas possuíam e o poder judiciário determinou a procedência da adoção, que possibilitou não apenas que as duas mulheres, mães afetivas de Raquel, tivessem seu vínculo de parentesco reconhecido, mas também que a jovem pudesse ter direito a um nome e sobrenome. No entanto, agora estamos diante de uma outra situação: a concretização da ausência de direitos passada de geração a geração”, explicou Natali.

O processo da pequena Raquelly acontece em parceria com o programa Sim, Eu Existo! O programa é desenvolvido pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), que trabalha de forma integrada com outras secretarias e instituições para assegurar os passos essenciais para o exercício da cidadania. Além da emissão do RG, foram providenciados ainda o CPF e o título de eleitor.

Jornalista graduada pelo Centro Universitário Newton Paiva em 2005. Atua como repórter de cidades na Rádio Itatiaia desde 2022