O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) marcou para analisar, em 6 de dezembro, a possibilidade de abertura de um processo administrativo disciplinar (PAD) contra o juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, acusado de omissão diante dos constrangimentos sofridos pela Mariana Ferrer em audiência de instrução em julho de 2020. Em 22 de novembro, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, pediu vista do processo.
Questionada pela reportagem, a assessoria do CNJ informou que o processo não foi chamado na sessão na semana passada porque não houve tempo hábil. “Dos 19 itens pautados, dois foram adiados, este e um PAD. No momento está sob vista regimental do ministro Luis Felipe Salomão, novo corregedor nacional de Justiça, que pode apresentar voto distinto da sua sucessora”, informou.
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Ainda segundo o conselho, não há data definida para a retomada. “Este ano, no entanto, não haverá mais sessões, conforme calendário definido no início do semestre. A próxima sessão acontece em 14 de fevereiro de 2023”, complementou.
“Estamos muito confiantes que o CNJ bem como os outros órgãos corregedores (Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) façam o correto, punam o juiz e promotor que foram parcial ao réu. O juiz mentiu inclusive que se tratava de réu preso para correr com aquela audiência no ápice da pandemia. Fez papel de advogado naquela audiência/tortura, exibindo fotos adulteradas da vítima, em que a defesa apagou as roupas dela e adulterou imagens para mentir sobre a conduta da minha filha. Mariana nunca tirou fotos nuas”, afirmou Luciane.
Abusos na corte
“Esse juiz já deveria ter sido punido em Florianópolis mas eles só aplicaram uma admoestação verbal e o tiraram da comarca criminal, colocando ele em uma vara de sucessões e registros públicos. Mas como disse a ministra Nacy Adrighini, do Superior Tribunal de Justiça (STJ): ‘É Santa Catarina outra vez, o CNJ precisa estudar para ver o que está ocorrendo’”, afirma Luciane Aparecida Borges, mãe da Mariana Ferrer, à Itatiaia.
A fala da Ministra ocorreu durante sessão da 3ª turma do STJ, no fim do mês passado, que anulou, por unanimidade, a busca e apreensão de um bebê minutos após o parto em Santa Catarina. Em janeiro deste ano, o “The Intercept Brasil” publicou uma matéria expondo uma juíza induz criança estuprada a desistir do aborto legal.
Processo disciplinar
O advogado da jovem, Júlio Cesar Ferreira, também aponta que confia no CNJ pela abertura do processo e por uma punição exemplar. “Aqui, ainda, cabe uma denúncia importante. O juiz Hudson, um dia antes da sessão de julgamento, enviou para o Tribunal pedido no sentido de que o sigilo do processo fosse retirado (sendo que ele mesmo o decretou), além de tentar obter peças, finalizando com o envio de currículo. É inadmissível que um juiz, após encerrar a sua jurisdição, se manifestasse no processo, e da maneira como ocorreu”, acrescentou.
A autora da Lei Mariana Ferrer (14.245/2021), a deputada Lídice da Mata lamenta a lentidão no processo. “Infelizmente, o trâmite processual no judiciário é lento. Trata-se, no conjunto, de um processo gradativo de mudança da ainda persistente cultura machista que permeia nossa sociedade, incluindo o sistema de Justiça”, disse.
A Ministra Corregedora Maria Thereza Rocha de Assis Moura, atual Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já havia proferindo seu voto no Conselho Nacional de Justiça a respeito da atuação do juiz que permitiu que Mariana Ferrer sofresse tortura, intimidações, violência psicológica e agressão verbal no final de 2021. “O juiz deveria ter tido autoridade, coibir que o advogado se manifesta dessa forma”, afirmou na ocasião.
Enquanto isso… intimidações
No início do ano, ao UOL, a Ministra Maria Elizabeth Rocha do Superior Tribunal Militar (STM) contou que sofreu intimidações ao se posicionar sobre o caso. “Houve várias discriminações ao longo da minha carreira que não foram sutis, mas nunca me rendi. Um exemplo foi no caso Mariana Ferrer, quando ela sofreu violência pelo advogado do réu, que acha que o processo legal se estende à agressão da vítima. O juiz do processo e o Ministério Público ficaram em silêncio, a ponto de precisar ser editada uma lei para dizer que as vítimas de um crime sexual têm o direito a serem respeitadas. Dei uma entrevista a um jornal e falei que aquilo era um absurdo e critiquei, inclusive, o silêncio do MP”, afirmou Elizabeth.
Segundo ela, o chefe do Ministério Público de Santa Catarina, onde o caso foi registrado, mandou um ofício ao presidente do seu Tribunal (STM) para reclamar sobre a entrevista.
“Ou seja, na hora de defender a vítima, o promotor ficou calado. Mas na hora de mandar um ofício para reclamar de uma entrevista, em que eu dizia que um promotor deveria ter se pronunciado e não ter permitido que o advogado fizesse o que ele fez com a Mari Ferrer, o Ministério Público teve tempo para sentar e escrever um ofício. Guardei esse documento para mostrar como o sexismo permeia nossa sociedade”, acrescentou.
Sem respostas
A reportagem entrou em contato com o TJSC e não teve nenhum retorno até a publicação. O espaço está aberto caso o magistrado Rudson Marcos queira se manifestar.