Ouvindo...

Congelador ou na mesa da cozinha? Produtores ensinam a ‘cuidar’ do Queijo Minas Artesanal

Entenda porque não existem dois queijos iguais e como o ambiente é essencial para a qualidade do produto, considerado pela Unesco patrimônio imaterial da humanidade; Itatiaia visitou três regiões produtoras

Reportagem visitou três pequenas propriedades que produzem queijo minas artesanal, patrimônio imateral da humanidade pela Unesco

"É como um filho”, “tem que saber conversar com ele”, “sabe quando você pega um recém-nascido?": as palavras com que os pequenos produtores do Queijo Minas Artesanal (QMA) se referem à iguaria denota o cuidado na elaboração das peças. Qual a melhor forma para o consumidor guardar o queijo sem perder suas características na hora de consumir? Em busca da resposta, a Itatiaia visitou três regiões produtoras: Serro, Diamantina e Entre Serras da Piedade ao Caraça, em um trecho de aproximadamente 450 km com paisagens exuberantes na transição da Mata Atlântica ao Cerrado.

Os modos de fazer o Queijo Minas Artesanal foram declarados pela Unesco patrimônio imaterial da humanidade: é o primeiro alimento brasileiro a receber tal reconhecimento. A iguaria, feita em dez regiões de Minas Gerais, usa uma receita com quatro ingredientes conhecida há três séculos: leite cru, coalho, pingo e sal grosso. O pingo é um ‘fermento’ natural retirado do próprio soro do queijo elaborado no dia anterior. A aparente simplicidade esconde variáveis complexas que aproximam o QMA da obra de arte: não existe um queijo igual ao outro, e mesmo sítios vizinhos produzem peças com texturas e sabores notadamente diferentes.

"É nosso flavour rural que garante a cremosidade e o sabor”, resume Edilson de Almeida, da Fazenda Braúnas, a 17 km de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha. É o irmão, Ewerton, o responsável pelo Queijo Braúnas, cuja versão maturada por 40 dias foi premiada no Mundial da França. A altitude da propriedade, a comida disponível ao gado, o tempo seco ou chuvoso e até a pressão das mãos do queijeiro: tudo influencia o ‘terroir’ do queijo, como nos vinhos. “Em cada queijaria você encontra um sabor, é aquele ‘terroir’. Biomas diferentes, como Cerrado ou Mata Atlântica, impactam a microbiota, vai ter um perfil sensorial diverso”, compara Kele Vespermann, analista de negócios do Sebrae.

Conservação do queijo

Ao chegar em casa com um queijo minas artesanal, o consumidor pode ter dúvidas sobre a forma de acondicioná-lo para garantir o melhor sabor. Não é consenso entre os especialistas o melhor método para guardar o queijo. Produtores ouvidos pela reportagem recomendam o consumo em poucos dias após a maturação ser interrompida. Assim, não faria sentido colocar a peça em caixas para maturação caseira existentes no mercado.

“Minha opinião é que (com essas caixas) você vai melar esse queijo. Você tem que colocá-lo em um lugar fresco, tranquilo, não pode ser abafado, e vai partindo. Na minha casa faço isso”, ensina Eduardo Pires, da Fazenda Ventura, em Santo Antônio do Itambé (MG).

Leia outras matérias da série:

Edilson de Almeida explica que o congelador é a melhor opção para o queijo que não será consumido logo após a compra. “Recomendo congelar o queijo. Porque a geladeira é um ambiente frio e seco, vai tirar a umidade do alimento e seu queijo vai endurecer. Chegou em casa, vai consumir no fim de semana? Tira um pedaço e congela o restante. Aí interrompe o processo de maturação (Quando for comer) tira três horas antes e deixa na queijeira”, aponta. “Se deixar no ar ele continua a maturação. Mas vai ressecando, dependendo da altitude que você estiver. Ele vai perdendo umidade e ficando duro. Enquanto tiver umidade no queijo vai ocorrer o processo enzimático. É bom ir virando todo dia, e devido à força da gravidade ele vai descendo e formando uma camada”, ensina.

Não é bom guardar o queijo em um saco plástico:

“A melhor orientação é tirar do plástico, nada de plástico. Não lavar, não pegar no queijo sem higienizar as mãos. Tem gente que enrola num pano de prato e acha que vai maturar o queijo, mas é um processo agressivo que vai sugar o líquido e tirar a vida do queijo, isso muda o sabor e tira o terroir. O queijo tem que respirar, coloque aquela tampa furadinha para mantê-lo macio, hidratado e saboroso”.
Nicinha Bicalho, do queijo Queijo Geovani Tomazinho e Nicinha

Ela lembra que é arriscado guardar o queijo na geladeira: “pode colocar na parte de baixo, perto das verduras, que não incomoda ninguém. Mas não pode deixar perto nada que pegue cheiro, o queijo pega tudo. Se colocar perto do alho, por exemplo, vai ficar com cheirinho de alho”, aponta.

Leia também

Como é feito o QMA?

No fazer artesanal, apenas o queijeiro toca o produto em todas as etapas, da mistura da massa à sala de maturação. As etapas podem variar de acordo com a região, mas todas seguem a mesma receita e os fazeres manuais, sem cozimento do leite.

  • Não há pasteurização do leite, que sai da ordenha a cerca de 37ºC, explica Edilson de Almeida: “do reservatório, o leite é bombeado para a queijaria”.
  • Ele é filtrado e recebe o pingo (que contém bactérias lácticas essenciais para sabor, aroma e textura do produto) e o coalho, que promove a coagulação do leite em 50 minutos. “Isso vai unir a proteína e a gordura, e nesse processo é separada a parte líquida da sólida”.
  • A massa é cortada com uma régua chamada lira, em fatias de 3 mm a 5 mm, e agitada. Colocada na forma com sal grosso por cima, ela é virada e novamente salgada no outro dia. Esse soro que ‘dormiu’ na massa é o pingo, que será coletado para a criação do queijo do dia seguinte.
  • A colocação na forma é um processo artesanal diferente em cada região. Em Diamantina, por exemplo, ela é colocada em um pano chamado “volta ao mundo”, que ajuda a tirar o soro, e transferido para a forma. No Serro, é pressionada com as mãos.
  • No fim da tarde, vira-se o queijo e adiciona-se sal grosso do outro lado. No outro dia, repete-se o processo. “Curiosidade: você pode colocar um quilo de sal, mas a massa só vai puxar a quantidade necessária”, diverte-se Edilson.
  • Depois de dois dias, o queijo sai da fabricação e vai para a sala de maturação.
  • O QMA fresco fica pronto em menos de uma semana. O tradicional é maturado e desenvolve um fungo natural (g. candidum) que retira a umidade e cria a característica ‘casca florida’, que envolve uma massa macia e dourada.

A legislação exige um tempo mínimo de maturação, conforme a região, para garantir a segurança alimentar:

  • 14 dias para o QMA produzido nas serras da Canastra, do Salitre e Araxá;
  • 17 dias para o Serro;
  • mínimo de 22 dias para as demais regiões queijeiras (Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Campo das Vertentes, Cerrado, Ibitipoca e Triângulo Mineiro).

* A reportagem da Itatiaia viajou a convite da Secult/MG


Participe dos canais da Itatiaia:

Enzo Menezes é chefe de reportagem do portal da Itatiaia desde 2022. Mestrando em Comunicação Social na UFMG, fez pós-graduação na Escola do Legislativo da ALMG e jornalismo na Fumec. Foi produtor e coordenador de produção da Record e repórter do R7 e de O Tempo