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‘O Agro Sem Água': Fruticultura irrigada do Norte de Minas: o sertão que dá certo

Na última matéria da série ‘O Agro Sem Água’, nossa reportagem foi a Janaúba conhecer a diversificada produção de frutas de grandes projetos públicos de irrigação, como o Jaíba e o Gorutuba

A produção, de cerca de 290.000 toneladas/ano de banana, abastece o mercado nacional, principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Na foto, o coordenador de campo da fazenda Terra Santa, Dangelis Fernandes de Jesus

Produção de manga Palmer em um dos lotes agrícolas do projeto Jaíba

Bananas são cuidadosamente lavadas antes de serem colocadas nos caminhões

No dia em que a reportagem da Itatiaia chegou à Janaúba, no Norte de Minas, caiu a primeira chuva depois de oito longos meses de seca. “Você veio nos trazer sorte”, brincou a presidente da Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas (Abanorte), Nilde Antunes Rodrigues Lage. À frente da entidade desde 2019, ela fala, com orgulho, sobre a transformação que tem conseguido fazer, junto com a diretoria e os 2,6 mil produtores de frutas da região. Uma das principais, a criação de uma marca para a produção de banana, limão, manga, caju, abacate e seriguela: a 100% nortineira que agrega valor às frutas, impacta positivamente nas vendas e tem ajudado a resgatar autoestima dos produtores, muitas vezes, classificados como ‘subsistentes’ ou ‘pouco qualificados’.

História de sucesso só foi escrita por causa da irrigação

A fruticultura na região se desenvolveu a partir da implantação de projetos públicos de irrigação na década de 60. Sem essa tecnologia, diz a presidente, a região, hoje, não seria nada. Os quatro projetos - Jaíba, Gorutuba, Lagoa Grande e Pirapora - foram instituídos pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Para se ter uma ideia da importância, juntos, eles produziram, em 2023, 229 mil toneladas de produtos agrícolas, principalmente limão, manga e banana.

Em 18,7 mil hectares, os projetos registraram um valor bruto de produção (VBP) de R$ 531,8 milhões. Os dados são do balanço de produção da Área de Irrigação e Operações da Companhia, que contabilizou, também, a marca de 53,2 mil empregos gerados – diretos, indiretos e induzidos – no período.

O primeiro projeto foi inaugurado em Pirapora na década de 1960, replicando o modelo de sucesso da Cooperativa de Cotia, em São Paulo, que era focado na produção de uva. Em 1979, com a construção da Barragem do Gorutuba, veio o projeto de mesmo nome, focado na produção de sementes. “Alguns anos depois, as pessoas que estavam à frente dele descobriram que a verdadeira vocação da região era para a fruticultura. Sobretudo para a banana prata. Mas os primeiros cultivos de limão, manga, mamão e banana também se deram no projeto Gorutuba”, conta a presidente da Abanorte.

Na sequência, surge outro projeto no modelo de parceria público-privada, na margem esquerda do Gorutuba, o Lagoa Grande. E, ao mesmo tempo, viabiliza-se o Jaíba que, hoje, é considerado o maior projeto público de irrigação em área contínua da América Latina. Lá, além de frutas, também há uma grande diversidade na produção de grãos.

Nilde Antunes, presidente da Abanorte, incentivou a criação do selo ‘100% Nortineira’

Diretoria decidiu ouvir os fruticultores para saber o que queriam

Produtores queriam ver reconhecidos os atributos das frutas que produziam e conseguiram

Quando assumiu a Abanorte, Nilde iniciou um processo de escuta dos produtores e descobriu que eles queriam ver os atributos das frutas que produziam reconhecidos por toda a rede de distribuição e, claro, pelos consumidores. “Eles queriam que todos soubessem que temos uma fruta diferente do ponto de vista do sabor e da saudabilidade”, disse a presidente.

Intensa atividade solar reduz necessidade de agrotóxicos

Quando fala em ‘saudabilidade’, ela se refere à baixa necessidade de aplicação de agrodefensivos, uma vez que a constância do sol e a temperatura elevada diminuem a incidência de pragas e doenças. Para se ter uma ideia, uma banana produzida na América Central passa, em média, por 52 pulverizações por ano. “Em São Paulo, a média é de 13 a 15 no mesmo período. Aqui fazemos apenas quatro por ano. É quase uma banana orgânica produzida com a força do sol”, orgulha-se Nilde.

Faltava o reconhecimento da sociedade, compradores e consumidores. A solução encontrada foi criar um selo para trazer essa visibilidade para a qualidade do produto, com a vantagem de não ter as mesmas exigências do processo de Indicação Geográfica. Assim, nasceu a marca 100% nortineira, com direito a um embaixador ilustre: o governador do Estado, Romeu Zema. “Fizemos o convite quando ele esteve aqui. Ficou muito honrado e disse que podíamos contar com todo o apoio que precisássemos”, lembrou a presidente.

QRCode dá acesso à história da propriedade onde a fruta foi produzida

QRCode acessa informações sobre o local e a forma de produção da banana

Assim, as frutas da região ganharam nome e sobrenome: “100% Nortineira”. Somente dos municípios de Jaíba e Janaúba, partem, toda semana, 700 carretas de frutas com o selo de identificação colado em cada uma delas. “No adesivo há um QRCode que acessa um site com a história da propriedade onde a fruta foi produzida, informações sobre os proprietários e outras particularidades. Aos poucos, estamos incrementando cada vez mais essas informações”, contou Nilde.

Como a implantação do selo foi feita esse ano, ainda não dá pra saber se houve aumento nas vendas mas, com certeza, já interferiu na autoestima dos produtores.

“Alguém está enxergando a beleza de ser o que eles são e de fazer o que eles fazem nessa terra que luta contra os rótulos de ser extrativista, atrasada e bolsista. Saímos de um IDH muito baixo para o médio e isso só foi possível graças à geração de emprego e renda. A única coisa que transforma uma região é a geração de valor”, pontua Nilde.

A meta, agora, é selar com a marca ‘100% Nortineira’ produtos de outras cadeias como os queijos, o mel e as cachaças.

Logística para enfrentar o mercado externo é mais desafiante

Questionada sobre as possibilidades de exportação da fruta, Nilde explica que o mercado externo é mais complexo porque é preciso haver regularidade e grande oferta. Além disso, o processo esbarra em dois problemas. Primeiro, o mercado nacional consome toda a produção de bananas da região. E, segundo, porque ainda não foi desenvolvida uma tecnologia capaz de atrasar o processo de maturação da fruta para que ela chegue ‘plena’ a seu destino. “A viagem de navio até à Europa, por exemplo, dura 25 dias”, revela Nilde. “Mas, ainda vamos chegar lá. Temos demandas de frutas de vários países. Há uma defasagem de frutas no mundo inteiro.”

Limão leva a melhor no quesito ‘exportação’

No Projeto Jaíba, existem cerca de 25 grandes produtores de limão. A principal variedade explorada é a Tahiti.

Enquanto isso não acontece, melhor para o limão que ‘aguenta’ mais tempo e chega aos milhares no Porto de Amsterdã e, de lá, é distribuído para toda a Europa. “Quarenta por cento dessa fruta produzida na nossa região abastece o mercado externo com certificado de IG”, informa a presidente. Para se ter uma ideia, de 2017 – ano de fundação até o terceiro trimestre de 2024, a área plantada passou de 85 para 184 hectares. O volume exportado foi ampliado em quatro vezes, saltando de 192 toneladas, em oito containers, para 820 toneladas enviadas em 34 containers. containers. Os números traduzem a boa aceitação do fruto pelo mercado externo, com destaque para países como Alemanha, Dinamarca, Holanda e Inglaterra, além dos Emirados Árabes, que exigem rastreabilidade assegurada. A cada 15 dias, containers com limão da Região do Jaíba são embarcados nos portos de Salvador (BA), Fortaleza (CE) e Santos (SP) e chegam ao destino em torno de 18 a 24 dias.

Toda a exuberância da produção de manga Palmer

Colheitas acontecem de acordo com a demanda

Trabalhador empenhado na colheita da banana na fazenda Terra Santa: ‘travesseiro’ no ombro pra aguentar o peso do cacho

Na fazenda Terra Santa, em Nova Porteirinha, visitada pela reportagem da Itatiaia, a colheita acontece uma vez por semana, de acordo com a demanda dos compradores e, claro, no tempo de maturação das frutas, segundo o coordenador de campo, Dangelis Fernandes de Jesus.

Para os processos de colheita, lavagem e embalagem são necessários cerca de 25 trabalhadores. “Colhemos uma média de 30 mil quilos de banana por semana”, diz Dangelis que trabalha na mesma fazenda há 25 anos. “Eu adoro isso aqui. Esse é o meu mundo, é de onde tiro o sustento da minha família e o que me possibilita sonhar com um futuro melhor para meus filhos”.

Entenda como é feita a colheita da banana

Um burrinho puxa o trilho com os cachos das bananas até às piscinas de lavagem

Manga e mamão a perder de vista

Manejo inclui passar cal nas mangas protegê-las do sol

Nossa reportagem visitou também outras propriedades irrigadas do projeto Jaíba que são chamadas de “Lotes Agrícolas”, onde vimos belas plantações de manga e mamão. Na primeira propriedade que investe na produção de mangas Palmer, os pés são podados para ficarem bem pequenos e facilitar a colheita. Outro “truque”, de acordo com o encarregado Alan, é passar cal nas frutas. A pasta branca funciona como uma barreira contra o sol a pino, uma espécie de filtro solar dos vegetais. “Se não fazemos isso, a fruta queima e fica imprópria para o consumo”, contou. Ele não soube falar precisamente sobre o volume de produção daquele lote, mas disse que arriscaria dizer que cada pé rende cerca de 500 frutas a cada colheita.

O encarregado Alan na fazenda Lote 524

O representante comercial Emídio Batista de Morais

Essa pujança de produção é boa pra todo mundo. O técnico agrícola Emídio Batista de Morais, por exemplo, há 5 anos, largou o trabalho num órgão público para se tornar representante comercial de frutas. “Nunca me senti tão feliz e realizado como agora”, disse ele que intermedia a venda de mamão formoso, banana e manga para Rio, São Paulo e outros estados do país. "É muito bom ter confiança e orgulho do produto que a gente oferece”, disse ele que nasceu e cresceu em Janaúba ouvindo falar da diferença que os projetos públicos de irrigação fazem na vida das pessoas de toda a região.

O Norte de Minas é o maior polo de produção de banana prata do Brasil

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Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.