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Inflação de 2022 indica que cortes de carne bovina tiveram queda na Grande BH

Pesquisador do IBGE responsável pelo levantamento diz que aumentos mais significativos aconteceram em 2020, mas ainda estão na memória dos consumidores

Consumidor tem preferido carne de frango e ovos. Segundo IBGE, aumentos significativos aconteceram em 2020

O contador Rogério Ribeiro Dantas, de 42 anos, adora reunir a família e os amigos para um churrasco em casa. Mas, de uns tempos pra cá, se viu obrigado a diversificar os tipos de carne que leva para a grelha. Antes nem olhava para as asinhas ou coxas de frango, para a picanha suína ou a linguiça. Só queria picanha bovina e outros cortes nobres como o filé mignon, a alcatra e o contrafilé. “Ficou inviável”, reconhece.

Mas o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Minas Gerais, Venâncio da Mata, esclarece que os preços da carne bovina (e dos outros tipos) tiveram, de fato, um aumento significativo, mas não recentemente - e sim em 2020. “Naquele ano, as carnes, de um modo geral, sofreram um aumento de 22,06%, com destaque para a costela bovina que teve cerca de 36% de aumento; a carne de porco, que subiu mais de 30%; o frango inteiro, que aumentou 14%; e o frango em pedaços, com 13% de reajuste.

Em 2021, segundo ele, houve também aumentos nos preços das carnes em geral, mas mais brandos, de 6,41%, com destaque para alcatra, que aumentou mais de 14%; a costela bovina, 12%; a alcatra, 14%; o frango em pedaços, 27%; e o frango inteiro, 11%.

Já no acumulado de 2022, segundo Venâncio, é possível perceber uma leve deflação nas carnes em geral, com uma queda de 1,78%. “A carne que mais barateou foi a de porco, com queda de mais de 8%, seguida da picanha, que caiu mais de 5%. Podemos concluir que houve um aumento expressivo das carnes em geral ao longo de 2020; em 2021, manteve-se a tendência de aumento, só que de forma mais suave e, agora, nos primeiros cinco meses de 2022, registramos algumas carnes com deflação. O principal aumento foi registrado pelo contrafilé, que subiu mais de 5%”. Ainda segundo o pesquisador, o consumidor tem uma “sensação” de aumento contínuo dos preços porque eles não voltaram aos patamares de antes da pandemia.

Exportações e dólar alto refletem no mercado interno

O gerente executivo técnico do Sistema FAEMG/SENAR/INAES, Bruno Rocha Melo, explica que são vários os fatores que provocaram esse encarecimento expressivo das carnes nos últimos anos. É preciso analisar o mercado externo e interno para entender. “As exportações estão em alta desde 2018, depois que diversos surtos de peste suína africana atingiram a suinocultura da China, levando ao abate de milhares de matrizes e o país a buscar a importação de outras carnes de várias partes do mundo, inclusive do Brasil”, disse.

Produtores estão com margem ‘achatada’

Ao mesmo tempo, segundo ele, com o dólar a R$ 5,20, hoje, os produtos brasileiros ficam competitivos para os compradores estrangeiros. E, com o maior volume de exportações, é natural que os preços também aumentem no mercado interno, seguindo a lei da oferta e da procura.

Falando especificamente da carne vermelha, o gerente executivo diz que, nesse momento, que estamos entrando na entressafra, com as pastagens já mais degradadas, há uma tendência dos produtores aumentarem a oferta para o abate porque torna-se muito caro manter o gado no pasto, levando-se em conta uma suplementação alimentar cada vez mais cara.

“A expectativa era que o preço ao consumidor, (ao menos da carne bovina) abaixasse. Mas não é o que os analistas estão prevendo que vá acontecer, porque as exportações continuam em alta e os custos de produção permanecem elevados, como é o caso do diesel, da energia elétrica, dos farelos de soja e milho e dos fertilizantes,” disse Melo.

De acordo com o gerente executivo, ao contrário do que muita gente possa pensar, os pecuaristas não estão lucrando nesse contexto de preços altos porque as margens estão achatadas. “Tudo subiu, mas o preço da arroba do boi não voltou aos patamares de setembro de 2021, quando chegou a R$ RS 320 no Triângulo. Hoje, nessa mesma região, a arroba está sendo vendida a R$ 280”. De acordo com Bruno, a tendência é que as exportações se mantenham em bom nível e os preços aos consumidores permaneçam elevados.

Consumidor tem optado por frango e ovos

Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que, em 2021, o consumo da carne bovina chegou a 26,5 quilos por habitante/ano, o menor volume em 25 anos. O recuo chega a 40% na comparação com 2006, quando houve um pico de 42,8 quilos por habitante/ano.

Ao mesmo tempo, o consumo da carne de frango e dos ovos no Brasil vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. O diretor de mercado da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Luís Ruas, disse que, em 2019, a entidade registrou um consumo de 42,8 kg per capita/ano de frango, o que já colocava o Brasil como um dos cinco países que mais consomem aves no planeta. Em 2021, esse número passou para 45,9 kg per capita, indicando que cada brasileiro passou a comer, durante a pandemia, 3 kg a mais do produto, por ano.

Os números do consumo de ovos da ABPA são ainda mais impressionantes. Em 2011, cada brasileiro consumia 148 ovos por ano. Em 2021, esse número saltou para 257 ovos per capita/ano. “Ou seja, cada um de nós adicionou 100 ovos à sua dieta por ano. Para se ter uma ideia, o mundo consome 230 ovos per capita/ano, o que nos diz que o Brasil registra um consumo de 27 ovos a mais do que a média mundial”, disse Ruas.

Migração e contexto histórico

O que explica essa migração do consumidor? É preciso levar em conta que, embora o frango e os ovos também tenham sofrido aumentos significativos de preços, eles ainda são mais baratos do que a carne bovina e, por isso, acabam sendo uma opção melhor do ponto de visa do preço. Mas Ruas acredita ser necessário avaliar o cenário sob um ponto de vista mais histórico, com a evolução dos números ao longo das últimas décadas. Segundo ele, a carne de frango vem ganhando cada vez mais presença na mesa do brasileiro, e de praticamente todos os países do mundo, há tempos.

“Essa não é uma mudança recente e acredito que esteja acontecendo porque o frango não sofre restrições religiosas, como é o caso da carne bovina em algumas regiões da Índia e da carne suína nos países de maioria muçulmana. É uma carne globalizada”, analisa.

Somado a isso, o diretor da ABPA lembra que o consumidor tem “descoberto” outras partes do frango que, antes, não eram muito apreciadas, como as asas, a coxa e até a pele do animal, exportada para o Japão e a China, segundo ele, como uma verdadeira iguaria. “Os orientais adoram”, destacou.

Já em São Paulo (SP), o executivo observa outra mudança no comportamento do consumidor: “Até pouco tempo, os paulistas só comiam peito de frango. Agora, se você der uma volta em bons restaurantes self service, em regiões nobres, vai ver que tem coxa e asinha aos montes”.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.