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Considerado potência agrícola, Brasil não é bom produtor de insumos; entenda o paradoxo

O professor e pesquisador Valter Casarin diz que fábricas que poderiam reduzir nossa dependência externa estão paralisadas; em breve, seremos o 3º maior consumidor mundial de insumos, atrás apenas da China e da Índia

Os solos brasileiros, de um modo geral, são de baixa fertilidade. Os do cerrado, principalmente, têm essa dependência em função de uma origem em materiais pobres em nutrientes

Em tempos em que tanto se fala sobre a importância da saúde do solo para a agricultura e pecuária e da manutenção da biodiversidade do planeta, a Itatiaia conversou com Valter Casarin, que é engenheiro agrônomo e florestal, doutor em Ciência do Solo - École Nationale Supérieure Agronomique de Montpellie, na França; sócio-diretor da Fertilità Consultoria Agronômica e professor do Programa SolloAgro - ESALQ/USP e Coordenador Geral e Científico da Nutrientes Para a Vida (NPV).

Casarin foi um dos palestrantes do Seminário Nacional sobre Insumos Agrícolas (Senagri), realizado pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), no Minascentro, que contou com 12 eixos temáticos e 50 palestras técnicas e cerca de 500 participantes, de várias partes do país.

Confira a entrevista:

A quantas anda o mercado de insumos no Brasil? Somos bons produtores?

Infelizmente, o Brasil não é um bom produtor de fertilizantes. Atualmente, importamos 85% da nossa necessidade. O mercado tem crescido em torno de 5% ao ano. Em função da crise dos fertilizantes, recuamos 10,4% em 2022.

A boa notícia é que as projeções indicam que teremos um aumento no consumo em 2023, podendo atingir um volume superior a 43 milhões de toneladas.

O Brasil é o 4º colocado no consumo mundial de fertilizantes, mas está muito próximo dos EUA. Em alguns poucos anos, seremos o 3º maior consumidor mundial, atrás apenas da China e da Índia.


O que pode ser feito para deixarmos de ser tão dependentes de componentes importados, como os que vêm da Ucrânia, e que tantos impactos negativos causaram no mercado no ano passado?

O primeiro passo é investir em fábricas de fertilizantes e, ao mesmo tempo, aumentar a produção interna. O Brasil deve produzir internamente em 2023 um volume próximo de 7 milhões de toneladas. O aumento de produção interna ainda é lento, muito em função dos encargos e da morosidade para se obter licenças para exploração. Algumas unidades de produção de fósforo estão sendo preparadas para iniciar atividade.

  • Em Três Lagoas/MS, a obra da fábrica de fertilizante nitrogenado está paralisada.

  • Outros projetos estão em processo de licenciamento, como é o caso do Brazil Potash, em Autazes/AM, onde poderá ser produzido 2.400.000 ton/ano de cloreto de potássio.

Esses projetos poderão contribuir muito para reduzir nossa dependência da importação de fertilizantes. Atualmente, importamos fertilizantes, principalmente da Rússia, China, Canadá, Marrocos e Bielorrússia.

O governo tem alguma política pública voltada para o segmento?

No ano passado, foi lançado o Plano Nacional de Fertilizantes que tem como principal objetivo reduzir as importações de 85% para 45% até 2050. O Brasil deverá investir R$ 120 bilhões, sendo que já houve um investimento de US$ 5 bilhões em projetos nacionais para alavancar a produção interna.


Há um grande contingente de insumos não regulamentados no país? Qual é o risco para a cadeia e os consumidores de um modo geral?

Um ponto importante é regulamentar produtos que tenham eficiência agronômica, ou seja, que forneçam para as plantas os nutrientes de forma solúvel. Os solos brasileiros, de um modo geral, são de baixa fertilidade. Os do cerrado, principalmente, têm essa dependência em função de uma origem em materiais pobres em nutrientes.

Não podemos, nos momentos de crise, permitir que produtos de baixa eficiência sejam aprovados para o uso sem a comprovação de sua eficiência.

Por outro lado, o produtor deve ficar atento à redução da adubação, pois isso pode consumir a reserva de nutrientes do solo e, ao longo do tempo, afetar o poder produtivo das culturas.


Como você vê o futuro do segmento? Que tipo de insumo será mais valorizado daqui pra frente?

Em relação aos fertilizantes, a expectativa é que os preços voltem ao patamar de antes da crise , torcendo para que nenhum evento se repita, principalmente aqueles que contribuíram para a elevação dos preços dos insumos, como a Covid, sanções diplomáticas e a guerra Rússia-Ucrânia. O apelo por produtos mais sustentáveis será valorizado.

Nesse caso, a amônia verde como matéria prima para a produção de fertilizantes nitrogenados deve ser uma tendência para os próximos anos. É importante saber que:

  • A amônia é a principal matéria-prima para a produção dos fertilizantes nitrogenados.

  • O nitrogênio é um nutriente essencial para as plantas e desempenha um papel vital na produção de alimentos. Em 2050, haverá quase 10 bilhões de pessoas no planeta. Precisamos estar preparados para o desafio de produzir alimentos de forma sustentável.

  • O problema é que a produção de amônia é uma forte emissora de CO 2 . Sua produção causa 1% do total das emissões globais de gases de efeito estufa.

  • Essa emissão é decorrente do uso de combustíveis fósseis como matéria-prima.

  • No entanto, a amônia pode ser produzida de forma mais sustentável, eliminando-se o uso de combustíveis fósseis.

  • Nesse processo ecológico, o hidrogênio é produzido usando a eletrólise da água e o nitrogênio é obtido do ar atmosférico.

  • A temperatura e a pressão necessárias para acontecer essa reação são conseguidas por meio de uma fonte de baixo carbono, como a energia eólica ou solar.

Assim, obtém-se a amônia livre de carbono, conhecida como Amônia Verde.


Em linhas gerais, o que o produtor rural deve levar em conta, antes de escolher qual insumo comprar?

O produtor deve ter em mente o uso eficiente dos insumos que ele irá utilizar. Quando pensamos nos fertilizantes, o primeiro passo a ser feito é a análise química do solo que checa a fertilidade do solo. Posteriormente, serão determinados os nutrientes e a dose a ser aplicada. Essa é a forma de equilibrar os nutrientes no solo e, assim, permitir que as culturas expressem todo seu potencial produtivo.

“Cuidar do solo significa ter uma biodiversidade de organismos que ajudam a controlar doenças de plantas, insetos e pragas, e ainda reciclar nutrientes das culturas. Isso sem contar na redução da emissão de carbono, uma das metas prioritárias no mundo”.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.