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Que tal uma lavoura mais PANC? Conheça as plantas alimentícias não convencionais

Termo foi criado por pesquisador brasileiro a partir da sua tese de doutorado; grupo de hortaliças é bastante nutritivo, mas encontra barreiras; entenda porquê

Flores e hortaliças pouco conhecidas podem ser extremamente nutritivas e saborosas

Se bobear, você até tem uma planta PANC aí no seu quintal e nem sabe. Trata-se de uma sigla para Plantas Alimentícias não Convencionais, algumas com grande valor nutricional. O termo foi criado em 2008

pelo pelo biólogo brasileiro Valdely Ferreira Kinupp, em sua tese de doutorado em fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É ele o autor do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais” - Guia de Identificação, Valores Nutricionais e Receitas Ilustradas, considerado, hoje, a maior referência do assunto no Brasil.

Kinupp conta que se apaixonou tanto pelo tema, durante o processo de pesquisa para o doutorado, que não parou mais de estudar. Ele percebeu que havia um universo gigante de plantas (muitas consideradas “mato”), flores e partes de plantas, como o umbigo da bananeira e a folha da batata-doce que careciam de uma denominação. Assim nasceu a sigla PANC que, por sua sonoridade e apelo midiático, foi, relativamente, bem aceita por botânicos e fitoterápicos de todo o país. Outra motivação para se aprofundar no tema foi torná-las mais conhecidas, haja vista que, por desconhecimento, ainda são menosprezadas e pouco utilizadas.

Vantagens

Uma das vantagens das PANCs é que elas são mais rústicas que as plantas convencionais, ou seja, dificilmente são atacadas por pragas, necessitam de pouco cuidado e podem ser fertilizadas em locais não convencionais, como beira de estradas, parques, ou terrenos baldios.

Talvez por isso costumam ser cultivadas somente por pequenos produtores e em escala doméstica. Elas abrangem desde plantas nativas e pouco usuais até as exóticas e silvestres com uso alimentício direto e indireto como verduras, hortaliças, frutas, castanhas, óleos, féculas cereais e até mesmo condimentos e corantes naturais.

Outro ponto positivo é que as PANCs também não sofrem com a utilização de agrotóxicos e adubos químicos, uma vez que, na maior parte das vezes, não necessitam de grandes cuidados de plantio para se desenvolverem, graças à sua grande variabilidade genética, que as confere resistência à diferentes temperaturas em condições ambientais adversas.

Aumentar a produção é desafio?

A Embrapa Hortaliças, que fica em Brasília, trabalha para criar sistemas de produção para as PANCs como a definição do melhor manejo para cada uma delas e ainda oferece cursos de capacitação para os agricultores. Uma outra função importante do órgão é manter uma coleção com mais de 400 variedades de hortaliças não convencionais. O objetivo é preservar o material genético das Pancs.

O pesquisador da Embrapa Hortaliças, Nuno Rodrigo Madeira, é o curador dessa coleção. Ele conta que conheceu Valdely Kinupp em 2010, em Manaus. “Eu já assistia os vídeos dele e ele também já sabia do meu trabalho. “Nos conversamos e eu falei: “estou usando o termo que você criou, estou surfando na onda, que dá muita visibilidade a esse grupo de plantas. Antes eu chamava de hortaliças tradicionais”. Nuno questiona um pouco a abreviatura PANC por achar que, em agronomia, é muito difícil falar de PANCs, por tratar-se de um universo gigante.

São dez mil espécies, sendo apenas cerca de 100 comerciais. Mas, afinal, aumentar a produção é um desafio? “Quando ouço que os produtores não estão produzindo PANCs… Fico pensando… Será que não? E o Jambu no Norte não é super comum? E o Cariru, no Pará? A Taioba no Espírito Santo? O Ora pro nobis em Minas Gerais? E a Bertalha do Rio de Janeiro e a Mostarda, em São Paulo?

E se formos para o universo das frutas, a gente tem o pequi. o óleo de licuri, o óleo de coco babaçu, frutas da caatinga, frutas do cerrado, frutas da Amazônia. Então, não é verdade que não estejam produzindo. Há casos e casos. Não dá pra generalizar”.

Outro aspecto colocado por Nuno é que os vendedores de insumos, claro, não “gostam” das PANCs. “Porque incentivariam a proliferação de espécies que se autopreservam, sem a necessidade de sementes; que exigem pouco fertilizante e que têm muito menor necessidade de controle de pragas e doenças? É claro que vão preferir hortaliças convencionais mais demandantes de insumos como o tomate, a batata, a batatinha, o brócolis e a couve-flor”.

Literatura

Para quem quiser se aprofundar no universo das PANCs, Nuno recomenda alguns livros: o do próprio Valdely, já citado acima; o “Plantas Para o Futuro” do Ministério do Meio Ambiente e o “Alimentos Regionais Brasileiro do Ministério da Saúde”, dos quais ele foi colaborador, além do Manual de Hortaliças Tradicionais, produzido pela Equipe da Embrapa Hortaliças.


Como consumir uma PANC?

Assim como todos vegetais que conhecemos, cada PANC apresenta uma forma diferente de preparo. Muitas plantas podem ser consumidas in natura, na forma de suco ou em saladas. Outras podem ser ingeridas cozidas ou refogadas, e existem ainda aquelas que obrigatoriamente devem passar por cozimento para eliminar substâncias que podem causar problemas à saúde. Outras, porém, são cozidas apenas para tornarem-se mais macias ou, por necessidade, para eliminar alguma substância tóxica, como é o caso da Taioba.


Exemplos de PANCS

  • Azedinha (Rumex acetosella): Suas folhas apresentam sabor ácido e podem ser usadas em saladas e sucos.

  • Beldroegão (Talinum paniculatum): Pode-se utilizar suas folhas in natura ou refogadas. Suas sementes também são comestíveis.

  • Capuchinha (Tropaeolum majus): Podem ser consumidas as folhas, flores e sementes dessa planta. Ela possui sabor picante e costuma ser preparada em molhos, patês, pães e saladas, por exemplo.

  • Capiçoba (Erechtites valerianifolius): Pode ser usada crua, em saladas, e refogada ou ainda como tempero. Possui sabor picante.

  • Caruru (Amaranthus spp.): Apresenta sabor semelhante ao espinafre e, para seu consumo, deve ser branqueada. É usada no acompanhamento de carnes ou preparada com o feijão.

  • Ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata, Pereskia bleo e Pereskia grandifolia): Destaca-se por ser rica em proteínas e fibras. Utilizada em recheios e como corante. Folhas e frutos são comestíveis.

  • Taioba (Xanthosoma taioba): As folhas, os talos e batata podem ser consumidas, entretanto devem ser branqueadas ou cozidas. Esse vegetal não deve ser comido cru.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.