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Dia Mundial do Queijo: Produtores do queijo minas artesanal de ‘Entre Serras’ colhem os frutos do reconhecimento da região

Com menos de um ano do reconhecimento como região produtora de queijo minas artesanal, encomendas dobraram

A região denominada “Entre Serras da Piedade ao Caraça” é a mais recente reconhecida pelo Governo do Estado como Produtora do Queijo Minas Artesanal. A distinção ocorreu em abril do ano passado, unindo os municípios de Catas Altas, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Rio Piracicaba, Bom Jesus do Amparo e Caeté a outras nove regiões já demarcadas no estado: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Serra do Salitre, Serro, Triângulo Mineiro e Serras da Ibitipoca.

De acordo com a Emater-MG, há, na região, apenas 12 produtores. Dez deles estão no início do processo de regularização. Dois estão mais adiantados. Um deles é Delmar Nunes de Macedo, de Caeté, que já tem o projeto técnico de adequação da queijaria aprovado pelo IMA, preparando-se para iniciar a reforma. O outro é Pedro Henrique Araújo Cadeira, de Rio Piracicaba que, no final do ano passado, obteve o Selo Arte que lhe dá direito a comercializar em todo o país.

No entanto, ninguém duvida dos benefícios que o reconhecimento trouxe. Delmar conta que, desde que a portaria foi publicada, muitas pessoas e instituições têm se prontificado a ajudar os produtores. “De cara recebi uma grande encomenda de uma mineradora da região; a oferta de cursos de Boas Práticas e de fabricação do QMA (Queijo Minas Artesanal), pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) aumentou consideravelmente; fundamos uma Associação dos Produtores, o prefeito prometeu apoiar com a oferta de maquinário e até já conseguimos organizar o 1º Festival do Queijo da Região de Entre Serras”.

Filho e neto de produtores rurais, Delmar conta que tentou “fugir” da vocação. Em meados dos anos 2000, mudou-se para a capital e fundou uma empresa no ramo de transportes. “Até que deu certo, as coisas estavam indo bem. Mas eu sempre pensava em voltar para a roça para trabalhar com vaca de leite”, relembra. Em 2014, rendendo-se à vocação, ele começou a planejar o caminho de volta. Desfez-se da empresa e voltou a ser funcionário, sempre pensando em juntar uma quantia que desse para comprar uma terra próxima à capital.

Em 2019, ele realizou o sonho, comprando a fazenda São José e dez novilhas mestiças das raças gersolando, girolando e jersey. Depois de ouvir uma palestra de Vani Pedrosa, pesquisadora do Senac, sobre a vocação queijeira da região, ele decidiu aprender a fazer a iguaria mineira. “Fui para a Canastra. Passei uma semana lá fazendo cursos e visitando queijarias”, conta. Pouco tempo depois, ele já produzia o próprio queijo e conquistou o 3º lugar num concurso de Queijo na região de Santa Bárbara. O próximo passo, agora, será iniciar a reforma da queijaria para atender às exigências do IMA e conquistar o Selo Arte que lhe dará direito a comercializar no Brasil inteiro e, até, quem sabe fora dele. “Nosso queijo é suave, adocicado. A altitude favorece o surgimento de bactérias que resultam num queijo de sabor muito agradável. Não me arrependo de nada. Estou muito feliz, principalmente, agora, com o reconhecimento da região que agregou valor ao meu produto”, celebrou.

Um paraíso em Rio Piracicaba

Foi durante a pandemia, confinado, que o engenheiro civil, Pedro Henrique Araújo Caldeira, decidiu investir na fazenda Recanto Paraíso, em Rio Piracicaba, de propriedade de sua família há mais de 100 anos. “Era a oportunidade que eu precisava para concluir algumas benfeitorias sonhadas por minha mãe Goretti. A principal delas era regularização da queijaria onde produzíamos o queijo fresco”, explica.

Com a ajuda de técnicos da Emater, ele seguiu teve a reforma aprovada e, no final de 2021, conquistou o sonhado Selo Arte. Todo o processo burocrático levou quatro anos. Mas o produtor garante que valeu a pena: com tudo regularizado, ele e a mãe passaram a produzir o Minas Artesanal que já havia sido produzido, tempos atrás, por sua avó Raimunda Catarina. “Isso muito alegrou minha mãe e triplicou nossa renda”, conta Pedro, que abandonou de vez a engenharia para se dedicar exclusivamente à produção do queijo - batizado de Trilhos do Ferro - e à administração do Recanto Paraíso que se propõe a receber turistas interessados em “experiências rurais” como, por exemplo, acompanhar os processos de fabricação e maturação das iguarias, com direito a degustação e tudo. “Não queremos crescer muito para não perdermos a qualidade. Nosso foco é o turismo rural e a excelência na produção dos queijos”, disse Pedro.

Anote aí o Instagram: @queijotrilhosdoferro.

Técnica e história

Mas o que credencia uma região para ser reconhecida como “produtora de queijo Minas Artesanal”? “Ter história”, resume a coordenadora estadual de QMA da Emater-MG, Edinice Rodrigues. “O volume de produtores e de produção não são determinantes”, explica. É necessário comprovar que, naquela região, já houve produção do Queijo Minas Artesanal em algum momento, utilizando-se da mesma tecnologia do “pingo” (fermento natural) e da maturação. Para isso são feitas entrevistas com pessoas idosas, coletados artefatos, notícias de jornal e material bibliográfico em livros de história.

No caso da região “Entre Serras da Piedade ao Caraça”, esse estudo começou a ser feito pelo Senac, em função do projeto “Primórdios da Cozinha Mineira” que se propõe a resgatar produtos de origem com o objetivo de fomentar o desenvolvimento regional, por meio da gastronomia local.

Coube à pesquisadora Vani Ferreira Pedrosa o trabalho de levantamento histórico. Ela conta que se deparou com depoimentos de pessoas saudosas dos queijos maturados, curados em tábuas. Os mais velhos tinham uma memória gustativa, diziam que o queijo era saborosíssimo, com interior macio e casca levemente crocante. Então, ela começou a procurar bibliografia a respeito, pra saber que produção era essa, se era mesmo o Queijo Minas Artesanal…ou se era outro tipo de queijo.

“Encontramos relatos de produção queijeira no território a partir do século XVIII. Depois, um memorialista de Cocais, Juvenal Fonseca, descreveu quais fazendas produziam o QMA, como, por exemplo a Fazenda do Engenho, do Santuário do Caraça, e qual era a rota que ele fazia, saindo das cidades de Bom Jesus do Amparo, de Barão de Cocais e de Santa Bárbara para ser distribuído para Mariana e Ouro Preto, no lombo de burros. Encontramos documentos referentes às vendas dos queijos de 1880 e, assim, comprovamos que, de fato, a região já tinha tido uma produção de queijo curado”.

Em parceria com a Emater-MG e o IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) foi organizado um seminário para apresentar essa pesquisa histórica e os fundamentos encontrados. A pesquisadora conta que, dos vinte produtores participantes, quatro aceitaram o desafio de retomar a produção do Queijo Minas Artesanal. “A partir daí, ela só foi crescendo até viabilizar a Associação dos Produtores de Queijo Minas Artesanal da região que, hoje, conta com 35 produtores. Com todos esses elementos, ficou fácil construir a fundamentação para o reconhecimento da microrregião”, explica Vani.

A pesquisadora disse que se emociona ao ver que, hoje, os produtores recebem grandes pedidos de encomendas do QMA, melhoraram suas rendas, têm investido na regularização e nas boas práticas da produção e o que é mais importante: têm ascendido socialmente, conquistado mais qualidade de vida e dignidade. Prova disso é a placa que um dos produtores mandou instalar na entrada de sua propriedade, com os dizeres: “Onde antes não tinha nada, agora, tem queijo”. Acho essa frase muito representativa da força do trabalho, da memória afetiva, gustativa e econômica”, disse Vani.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.



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