Ouvindo...

Jovem assume propriedade rural da família e triplica produção de leite

Vinícius Corrêa não queria nem saber dos negócios da família. Acabou assumindo a propriedade do avô e, hoje, diz que ‘não poderia estar mais feliz’

Helvécio Corrêa viu o potencial do neto e sua capacidade de trabalho e lhe entregou a gerência da fazenda Boqueirão

A princípio, o bisneto, neto e filho de produtores rurais, Vinícius Corrêa, de 25 anos, negou a vocação, entranhada em seu DNA, para o trabalho no campo. Escolheu cursar Engenharia Mecânica, passou “maus bocados” num trabalho noturno em Belo Horizonte e, por uma contingência do acaso, acabou voltando para Paraopeba, onde assumiu a gerência da fazenda Boqueirão, de seu avô, Helvécio Corrêa. Mesmo sem entender nada de pecuária de leite, apenas com a ajuda de um especialista e à custa de muito trabalho, ele transformou a propriedade. Em pouco mais de um ano, a produção diária de leite saltou de 250/litros/dia para 650/litros/dia e a renda mensal saiu de menos R$ 2 mil para R$ 20 mil.

Vinícius ainda estava na faculdade quando arrumou emprego como “assistente de máquinas” numa fábrica de macarrão, na região metropolitana da capital. “Pegava serviço às 22 horas horas e seguia até às 6 da manhã. Chegava em casa, morto, mas só conseguia dormir umas três horas”, contou. Em 2020, em plena pandemia, um funcionário da fazenda de seu pai, que é pecuarista de corte, sofreu um grave acidente e o pai ligou para ele pedindo ajuda para dar conta da lida. Vinícius se solidarizou, certo de que seria apenas por um tempo. No início se assustou com a rotina da fazenda. “Teve um dia que sentei pra chorar. Achei que não daria conta”, lembra. Mas, aos poucos, ele foi pegando o jeito.

Quando o funcionário de seu pai já havia se recuperado e voltava ao trabalho, foi a vez de seu avô, o pecuarista de leite Helvécio Corrêa, lhe pedir ajuda. Aos 88 anos e recém-viúvo, ele dava sinais de cansaço e ofereceu a gerência de sua fazenda ao neto. “Foi quando virei a chave de que minha vida estava tomando outro rumo”, conta.

ATeG Balde Cheio fez a diferença

Vinícius se apaixonou pela pecuária de leite. Percebeu que a propriedade tinha uma boa estrutura, mas faltava assistência técnica. “Meu avô é um grande homem, um empreendedor nato. Mas fazia tudo com base no que aprendeu com o próprio pai há muitos anos. A fazenda carecia de modernização. Foi quando alguém sugeriu que procurássemos o pessoal do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e deu muito certo. O técnico Douglas Pires, do programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) Balde Cheio, veio e propôs várias mudanças.

A primeira foi tirar os bezerros do peito e oferecer-lhes mamadeira porque isso facilita o cálculo da quantidade certa de leite a ser oferecida, evita excessos, diarreias e também possibilita o cálculo da produtividade média de cada vaca, por meio da pesagem do leite, o que influencia a decisão da quantidade de ração a ser oferecida aos animais, necessidade de abates ou vendas. “Só com esse manejo, em pouco tempo, conseguimos diminuir as despesas em quase 50%”, relata Vinícius.

Outra mudança proposta pelo técnico foi o compromisso de registrar tudo numa planilha: gastos, lucros, investimentos, números de nascimentos, óbitos… “Antes não havia controle de nada. Não sabíamos nem quanto ganhávamos ou sequer se ganhávamos alguma coisa e aonde queríamos chegar”. Douglas também propôs investimentos em recria e na reposição dos animais, melhoramento genético por meio da transferência de embriões e substituição da silagem de sorgo pela de milho.

Os resultados não demoraram a aparecer. A produção de leite que era de 250 litros por dia saltou para 650 litros/dia, um aumento de 160%. A entrega mensal, que era de 7.500 litros, passou para 19.000 mil, levando a propriedade a um ganho de R$ 20 mil/mensais, com 62 vacas em lactação, em contraponto aos R$ 2 mil negativos de antes.

Mas Vinícius quer mais. Sua meta é chegar a 1000/litros/dia. Para isso, está terminando um projeto de piquete rotacionado por meio do qual espera conseguir que o gado aproveite melhor o pasto, gaste menos energia e ganhe peso mais rápido. “Assim, conseguiremos cobrir todas as despesas e ter um fluxo de caixa para novos investimentos”.


Influenciador Digital

Vinícius está tão feliz e motivado que tem até se arriscado como influenciador digital do agro. Criou a página @fazendinha_para_vc , onde conta um pouco da sua rotina. Ele acorda às 5h da manhã e vai direto para a sala de ordenha coordenar os trabalhos, em seguida percorre os pastos para ver se há algo incomum, anota as providências a serem tomadas, necessidades de compras e aí vai para a frente do computador “alimentar” as planilhas. Tudo é compartilhado no Instagram que tem apenas 18 publicações e já conta com quase 2 mil seguidores. “Estou aprendendo a mexer nas redes sociais, é prazerosa essa troca com as pessoas. Ensino e aprendo”.

Aos jovens que querem seguir o mesmo caminho, Vinícius aconselha humildade, respeito à sabedoria dos mais velhos (“tenha bons mentores”), atualização constante e trabalho, muito trabalho. “Haverá recompensas, mas o ambiente não aceita preguiça, amadorismo e procrastinação. A lida é diária, o esforço é grande, mas os resultados e o bem-estar dos animais compensam tudo”, diz o jovem produtor.


Fazenda deve ser vista como empresa

Para o técnico Douglas Pires, a fazenda de “seu Helvécio” é um exemplo clássico de sucessão rural bem-sucedida, em que a produção de leite oferece boas perspectivas econômicas e sustentáveis para a continuidade do trabalho de outras gerações, respeitando a história e cultura do local. “Todos precisam entender que a fazenda é uma empresa que exige planejamento, gestão e metas”.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.