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‘Tornozeleira é símbolo da máxima humilhação’, diz Bolsonaro na Câmara

Ex-presidente falou rapidamente com a imprensa e disse que seguirá ‘de pé, enfrentando a batalha’

Ex-presidente Jair Bolsonaro deixando a Câmara dos Deputados

Mais de 50 deputados e dois senadores da oposição se reuniram nesta segunda-feira (21), em Brasília, para anunciar uma nova ofensiva política contra o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente contra o ministro Alexandre de Moraes.

A reunião, que contou com representantes de partidos como PL, Republicanos, Progressistas, PSD, União Brasil e Novo, marcou o que os participantes classificaram como uma reação “institucional e popular” ao que consideram abusos do Judiciário e perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ao final do encontro, Bolsonaro apareceu ao lado dos parlamentares na Câmara dos Deputados, já usando a tornozeleira eletrônica determinada por Moraes, e fez uma breve fala à imprensa.

“Não matei ninguém, não trafiquei, não desviei dinheiro público. A tornozeleira é um símbolo da máxima humilhação. O que está acontecendo comigo é uma covardia com um ex-presidente da República”, declarou. Ele afirmou que segue amparado na “lei de Deus” e prometeu continuar enfrentando as acusações “de frente”.

A decisão do ministro do STF proíbe Bolsonaro de usar redes sociais, conceder entrevistas ou ter suas falas retransmitidas por terceiros. Mesmo assim, o ex-presidente apareceu rapidamente, cercado de aliados, em um gesto calculado de resistência simbólica.

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Críticas ao STF e denúncias de violações de direitos

Durante a coletiva, os parlamentares acusaram Moraes de abuso de autoridade, decisões monocráticas e perseguição política. Afirmaram que mais de 60 congressistas estariam sendo investigados sob relatoria direta do ministro, e denunciaram o que chamaram de “centralização perigosa de poder” no Judiciário.

Casos como a prisão de idosas de 71 e 74 anos por envolvimento no 8 de janeiro, o congelamento de salários de familiares de presos e penas consideradas desproporcionais, como 17 anos por furto de uma bola autografada por Neymar, foram citados como exemplos de violações de direitos humanos e do que chamaram de “colapso do devido processo legal”.

As críticas também miraram o restante do STF. Parlamentares anunciaram que o Senado terá como pauta prioritária o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes, mas que propostas contra outros ministros, como Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, também estão sendo discutidas.

Pautas legislativas e subcomissões

A oposição formalizou uma agenda de ações que será conduzida a partir de três frentes:

  • Anistia dos presos do 8 de janeiro como prioridade legislativa número um, tanto na Câmara quanto no Senado.
  • PEC 333, que propõe mudanças no foro privilegiado, reduzindo o alcance do STF sobre parlamentares.
  • Impeachment de ministros do STF, começando por Moraes, com apoio em pedidos já protocolados no Senado.

Para articular essa agenda, foram criadas três subcomissões:

  1. Comissão de Comunicação, liderada por Gustavo Gayer, para alinhar o discurso público da oposição;
  2. Comissão de Mobilização Interna, sob comando de Carlos Gilberto, para pressionar as presidências das duas Casas a pautarem os projetos;
  3. Comissão de Mobilização Nacional, liderada por Zé Trovão e Rodolfo Nogueira, que já planeja protestos em todo o país.

A primeira mobilização já foi anunciada: um protesto nacional está marcado para o domingo, 3 de agosto, em todas as capitais e principais cidades do país. O objetivo é retomar as ruas, segundo os organizadores, com o lema “Volta, Bolsonaro”.

Nikolas Ferreira: “Hoje é ele. Amanhã, é você”

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) foi um dos que discursaram com maior veemência durante a coletiva. Ele comparou a situação de Bolsonaro à de criminosos notórios como Fernandinho Beira-Mar e Suzane von Richthofen, que puderam conceder entrevistas mesmo presos.

“O presidente não pode falar nem com a imprensa. Que tipo de liberdade é essa?”, questionou. Segundo ele, a população está sendo anestesiada e corre o risco de também ser alvo de perseguição se não reagir. “Você acha que a água não vai bater na sua bunda também, amigo? Acorda!”, disse, provocando.

Nikolas ainda criticou o que chamou de “omissão institucional”, apontando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), jornalistas e congressistas como coniventes com uma suposta escalada autoritária no país.

Moraes amplia restrições contra Bolsonaro

Pouco antes da coletiva, o ministro Alexandre de Moraes reforçou as medidas cautelares impostas a Jair Bolsonaro, proibindo:

  • Qualquer uso, direto ou indireto, de redes sociais;
  • Divulgação de falas por meio de terceiros (inclusive áudios, vídeos ou transcrições);
  • Entrevistas para rádio, TV, podcasts ou veículos digitais;
  • Retransmissão de falas por aliados ou páginas de apoio.

A decisão foi recebida com indignação pelos parlamentares, que acusaram Moraes de censura e de violar a liberdade de expressão, inclusive de veículos de comunicação. Segundo aliados, Bolsonaro gostaria de conceder entrevistas, mas seus advogados recomendaram silêncio absoluto diante do agravamento das medidas judiciais.

Críticas ao governo Lula e à diplomacia

A coletiva também foi palco de ataques ao governo federal. Parlamentares classificaram a política externa de Lula como “nanismo diplomático” e acusaram o Planalto de provocar tensões com os Estados Unidos, enquanto se alinha a regimes autoritários como Irã, China e Rússia.

Segundo eles, o governo atual tenta transferir a culpa pelas sanções e pela crise econômica ao ex-presidente Bolsonaro, mesmo fora do cargo. “É o desgoverno da instabilidade”, afirmou um deputado.

A relação com os Estados Unidos também foi tema de defesa ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Os parlamentares negaram que ele tenha qualquer responsabilidade pelas tarifas aplicadas ao Brasil durante o governo Trump, alegando que as medidas foram parte de uma política global do ex-presidente norte-americano.

Estratégia em construção, mas com lacunas

Apesar da demonstração de força política e do tom inflamado da coletiva, ainda há indefinições importantes:

  • A oposição não apresentou um calendário para a votação das pautas prioritárias.
  • Falta clareza sobre os mecanismos legislativos a serem usados para pressionar o STF.
  • A lista oficial de parlamentares presentes na reunião ainda não foi divulgada.
  • As três subcomissões criadas ainda não detalharam cronogramas, metas ou interlocuções com lideranças das Casas.

Mesmo assim, a mensagem central da coletiva foi clara: a oposição pretende elevar o tom, ocupar as ruas e transformar a defesa de Jair Bolsonaro em bandeira contra o que considera uma ameaça à democracia e à liberdade de expressão no país.

Aline Pessanha é jornalista, com Pós-graduação em Marketing e Comunicação Integrada pela FACHA - RJ. Possui passagem pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação, como repórter de TV e de rádio, além de ter sido repórter na Inter TV, afiliada da Rede Globo.