O Brasil vive um paradoxo dentro do Sistema Interligado Nacional (SIN) de energia elétrica: ao mesmo tempo que avança a produção de energia de fontes renováveis, especialmente solar e eólica, o país tem que cortar a geração devido a problemas de transmissão e demanda que não permitem o escoamento dessa produção. Essas operações ficaram conhecidas como curtailment. Nesse cenário, as usinas termelétricas poluentes acabam sendo acionadas para cobrir a demanda em horários de pico.
Mas o que é o curtailment? Em linhas gerais, é o corte de geração renovável que ocorre sempre que usinas solares e eólicas são obrigadas a reduzir suas gerações devido a fatores externos. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), monitorados pela consultoria Volt Robotics, em outubro foram cortados 5,9 mil GWh do sistema, causando um prejuízo dos geradores de renováveis na ordem de R$ 1,1 bilhão.
Segundo Sérgio Pataca, consultor da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) para o mercado de energia elétrica, os cortes forçados ocorrem por uma indisponibilidades no sistema, seja por problema técnico ou falta de demanda no sistema.
Consultor do mercado de energia, Sérgio Pataca
“Existe o curtailment técnico, quando a gente não tem escoamento para aquela energia. Por exemplo, nós temos uma demanda no Sudeste, mas como a geração é muito grande no Nordeste, a gente tem uma indisponibilidade técnica porque não conseguem escoar esse montante. E existe a indisponibilidade na questão de demanda, por exemplo, ao meio-dia, quando a geração solar é muito forte, mas não há demanda”, explicou.
Além desses dois critérios, existem ainda os cortes por questões de segurança técnica. Nesse caso, a geração de energia é tão forte que a ONS precisa desarmar o sistema para evitar uma falha, também conhecido como apagão.
No mês passado, os cortes atingiram 37% do potencial de geração das solares com mais de 1,3 mil GWh não escoados e perdas equivalentes a R$ 192 milhões, enquanto nas eólicas os cortes também chegaram a 37% com quase 4,6 mil GWh cortados e R$ 741 milhões em prejuízo. O Rio Grande do Norte teve 43,8% da geração em curtailment, seguido por Ceará (34,9%) e Minas Gerais (30,8%).
Cortes quase triplicam de janeiro a outubro
O curtailment é um dos grandes problemas do setor elétrico na última década, e que tem batido recordes seguidos. Ainda de acordo com o levantamento da Volt Robotics, os cortes chegaram em 20,4% de toda a geração solar e eólica entre janeiro e outubro, um aumento de 283% em relação a todos os cortes ocorridos em 2024. No acumulado, os prejuízos são estimados em R$ 5,4 bilhões.
“É um valor muito expressivo. Quando tem a indisponibilidade, a gente está substituindo por energia térmica, energia fóssil. É um paradoxo. A gente está cortando energia renovável para gerar em uma fonte térmica que não é renovável”, disse Pataca.
O especialista no setor elenca três tipos de saída para o problema em três níveis. No longo prazo, ele afirma que é necessário uma reforma estrutural do setor, que possa abordar as questões de cobranças na conta de luz, incentivos para a produção e as falhas tecnológicas. Enquanto no médio, Pataca afirma que é necessário pensar em investimentos em armazenamento como baterias, ou até uma tecnologia que está sendo consolidada no mundo: as hidrelétricas reversíveis.
“Quando a energia está barata, ela bombeia a água para cima no reservatório, ela consome energia. Mas quando eu preciso de energia, é possível descer essa água como uma hidrelétrica normal. O Brasil discute essa regulamentação, mas Estados Unidos e China já têm muitos gigas nessas usinas reversíveis”, ressaltou.
No curto prazo, ele cita a melhoria na regulamentação, defendendo critérios puramente técnicos para que os cortes sejam minimizados. “É necessário um corte que realmente análise toda a geração, não só uma parte como é feita hoje. Tem que ter o melhor critério possível para a redução de custo, um critério amplo na metodologia”, completou.

