Ouvindo...

Golpe militar na Bolívia não deve se concretizar sem apoio internacional, diz professor

Forças Armadas tomaram praça em frente ao palácio presidencial, nesta quarta-feira (26); governos e organizações internacionais condenaram ataque à democracia boliviana

O presidente da Bolívia, Luis Arce, denunciou a situação nas redes sociais

A Bolívia sofreu uma nova tentativa de golpe de estado, nesta quarta-feira (26). A última vez havia acontecido em 2019, quando o ex-presidente Evo Morales teve que renunciar ao cargo, após se reeleger pela quarta vez consecutiva. Agora, diferentemente de 2019, o golpe não deve se concretizar por falta de apoio internacional, avalia o professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH, Mário Schettino.

Em 2019, o então presidente Evo Morales havia acabado se reeleger para mais um mandato, após ficar 14 anos no poder (de 2006 a 2019). A eleição de Morales foi contestada após denúncias de fraudes, o que fez com ele renunciasse ao cargo. Na época, parte da comunidade internacional, como Brasil e Estados Unidos, por exemplo, reconheceu a senadora Jeanine Añez como presidente interina da Bolívia.

Porém, agora, o professor aponta que não há qualquer motivo para questionar a legalidade da eleição de Luis Arce, eleito após a convocação de novas eleições no país em 2020.

“A diferença é que, agora, temos declarações internacionais de apoio à Bolívia, o que não aconteceu em 2019. Na época, o golpe era uma oportunidade de tirar o Evo do poder. Mas, atualmente não se questiona a eleição de Arce. Também não há nenhuma crise econômica grave ou denúncias importantes de corrupção no governo dele, coisas que geralmente podem levar à essa ruptura. Essa diferença [em relação a 2019] pode ser decisiva [para o sucesso do golpe]”, aponta.

Mesmo assim, o professor ressalta que é importante observar os próximos passos dos militares. “A gente ainda vai descobrir o tamanho dessa articulação. Vamos ver se é um movimento isolado, de apenas parte do exército, ou se vai envolver forças policiais e a elite política. Temos que ver como elas vão se mobilizar”, afirma.

A tentativa de golpe

Militares do exército da Bolívia tomaram, nesta quarta-feira (26), a praça em frente ao palácio presidencial, em La Paz, na tentativa de um golpe de estado. Tropas e tanques de guerra se posicionaram próximo à sede do governo, no que o presidente boliviano, Luis Arce, chamou de “mobilização irregular”.

Nas redes sociais, o ex-presidente Evo Morales afirmou que um golpe de estado está sendo “gestado” na Bolívia e convocou uma “mobilização nacional pela democracia”. Em 2019, um outro golpe militar fez com que Evo renunciasse à presidência.

Agora, o suspeito de liderar a tentativa de golpe é o general Juan José Zúñiga, ex-Comandante Geral do Exército. Ele foi destituído do cargo, na terça-feira (25), após ameaçar Evo Morales, caso o ex-presidente concorresse novamente às eleições do ano que vem.

Em uma entrevista à mídia local, na segunda (24), Zúñiga disse que Evo “não pode mais ser presidente da Bolívia”. “Somos um braço armado do povo, um braço armado do país. Vamos defender a todo custo a constituição, caso cheguemos a isso”, afirmou. A declaração não foi vista com bons olhos pelo ex-presidente boliviano, que pressionou o governo Arce para que o general fosse retirado do cargo.

Leia também

Comunidade internacional condena tentativa de golpe

Após a tentativa de golpe, governos da América Latina, como do Brasil e Chile, além de organizações internacionais condenaram a ação militar.

“O Governo brasileiro condena nos mais firmes termos a tentativa de golpe de Estado em curso na Bolívia, que envolve mobilização irregular de tropas do Exército, em clara ameaça ao Estado democrático de Direito no país. O Governo brasileiro manifesta seu apoio e solidariedade ao Presidente Luis Arce e ao Governo e povo bolivianos”, disse o Itamaraty em nota. O presidente Lula e o presidente do STF, Luis Roberto Barroso, também condenaram a ação.

No X (antigo Twitter), o presidente do Chile, Gabriel Boric, também comentou a situação no país vizinho. “Do Chile, expresso minha preocupação pela situação na Bolívia. Expressamos o nosso apoio à democracia no nosso país irmão e ao governo legítimo de Luis Arce. Condenamos veementemente a inaceitável ação de força por parte de um setor do exército daquele país. Não podemos tolerar qualquer violação da ordem constitucional legítima na Bolívia ou em qualquer outro lugar”, escreveu.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, também escreveu sobre a tentativa de golpe nas redes sociais. “Condeno firmemente as tentativas de derrubar o governo democraticamente eleito da Bolívia. A União Europeia apoia as democracias. Expressamos o nosso forte apoio à ordem constitucional e ao Estado de direito na Bolívia”, disse no X.

Ação militar deve enfraquecer candidatura de Evo Morales

As eleições presidenciais na Bolívia vão acontecer no próximo ano e ainda não se sabe se Evo Morales irá concorrer mais uma vez. Ele e Luiz Arce são do mesmo partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), mas se afastaram nos últimos anos.

Schettino acredita que a tentativa de golpe militar pode enfraquecer a candidatura de Evo, que pode até desistir de concorrer ao pleito após o movimento das Forças Armadas. “Isso não diminui a força dele enquanto cabo eleitoral ou liderança política, mas enfraquece a candidatura. Isso porque ele se candidatar pode significar arriscar a própria democracia do país”, afirma.

O professor também comenta que os candidatos de oposição não devem tomar a frente do golpe militar, como fizeram em 2019. “Acho que a oposição não vai se colocar como uma liderança. Não faz sentido arriscar uma candidatura tão perto das eleições”, opina.


Participe dos canais da Itatiaia:

Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.